O eleitorado feminino é hoje o
responsável pela maioria dos votos brancos e nulos declarados em pesquisas de
intenção de voto para presidente da República. Segundo recorte feito pelo Ibope
a pedido do Estado, seis em cada dez eleitores dispostos a não votar nos
pré-candidatos apresentados são mulheres na faixa etária dos 35 aos 44 anos,
desiludidas com os recorrentes escândalos de corrupção envolvendo a classe
política e preocupadas com o rumo da economia.
A mesma preponderância feminina é observada no grupo dos eleitores
indecisos. Em ambos os casos, a participação de mulheres é superior se
comparada ao número de votos que detêm no País. O detalhamento da última
pesquisa CNI/Ibope para presidente mostra que, enquanto elas representam 52% do
eleitorado nacional, são 58% na fatia dos que votam branco ou nulo e 55% entre
os que não se decidiram.
A indignação feminina diante da
corrupção e as incertezas relacionadas à recuperação da economia brasileira,
especialmente a retomada do emprego e o risco da inflação, explicam o fenômeno,
segundo pesquisas qualitativas feitas pelo Ibope. Especialistas ouvidos pelo
jornal O Estado de S. Paulo ainda apontam mais dois motivos: o sentimento de
que os atuais políticos não representam as mulheres – em 2014, elas preencheram
apenas 10% das vagas na Câmara dos Deputados – e a indefinição em torno de quem
será ou não candidato em outubro.
A vendedora Denise de Melo, 35 anos, faz parte dessa estatística Ela diz
que vai anular o voto porque não sente empatia por qualquer dos pré-candidatos.
“A gente pesquisa, pesquisa, mas não encontra ninguém que possa nos representar
com dignidade”, afirma. Para ela, o que mais influencia na sua vontade de não
votar são “os casos de corrupção que aparecem a todo momento”.
Foi a desconfiança geral no mundo político que também levou a especialista
em marketing Ana Paula Paura, de 36 anos, a optar pelo voto em branco. “Ninguém
me empolga. Não existe um candidato que me mobilize. Tenho desconfiança nos
políticos em geral e aquela sensação de que muitos estão envolvidos em
corrupção”, diz.
Nulo
O porcentual de eleitores dispostos a anular o voto é o que mais chama a
atenção. No cenário sem a participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, condenado e preso pela Lava Jato, o índice de eleitores que declaram
voto em branco ou nulo chega a 31%, contando mulheres e homens. Em 2014, de
acordo com o Ibope, a taxa nessa mesma época do período eleitoral era de 16%.
Entre os eleitores que se dizem indecisos, ou seja, respondem não saber em
quem votar na eleição de outubro, o porcentual se mantém em 8%. Apesar de se
considerar também uma desiludida com a política, Iris Cristina dos Santos Liu,
de 37 anos, diz querer “fugir” do voto branco ou nulo. Dona de um salão de
beleza em São Paulo, ela afirma que, por enquanto, nenhum pré-candidato
conquistou sua confiança. “Quero escolher um nome, como sempre fiz. Mas o voto
em branco não está descartado”, diz.
Crise
Para a cientista política Vera Chaia, da PUC-SP, o não voto não significa
necessariamente desinteresse. “A mulher critica, reivindica e participa mais
hoje. Há muito mais cobrança, movimentos contra assédio, a favor da equiparação
de salários e isso faz com que as mulheres tenham mais poder de decisão. Esse
número de votos brancos e nulos é uma crítica ao atual momento da política e
aos candidatos que não representam isso”, afirma.
O resultado das pesquisas qualitativas do Ibope confirma essa percepção.
Segundo o instituto, as mulheres deixam para decidir nos últimos dias da
campanha, quase na véspera da eleição, justamente porque são mais críticas,
avalia a CEO do Ibope Inteligência, Márcia Cavallari Nunes.
A enfermeira Renata Lima Gonçalves, de 37 anos, se encaixa nesse perfil.
Afirma que “quanto mais se informa sobre os candidatos, mais fica em dúvida
sobre para quem irá o seu voto em outubro”, mas rejeita a hipótese de votar em
branco ou nulo. “Acho que em cima da hora vou fazer a minha escolha.”
Televisão
A cientista política Lara Mesquita, da Fundação Getúlio Vargas de São
Paulo, considera que o início oficial da campanha, a partir de 16 de agosto,
deve marcar uma inflexão no discurso dos pré-candidatos à Presidência – até
agora sem preocupação específica de resgatar a confiança do eleitor que declara
voto nulo ou em branco nessas eleições. “Esse discurso deve aparecer nas
propagandas de TV. Daí, será preciso falar com todos os perfis de eleitor”,
disse ela.
O senador Alvaro Dias, do Podemos, disse que espera atingir os indecisos
por meio de vídeos e postagens mais incisivas nas redes, destacando que é ficha
limpa e que tem experiência administrativa – ele foi governador do Paraná.
A equipe do presidenciável do PSDB, Geraldo Alckmin, considera que o
desencanto dos eleitores com a política no Brasil explica os altos índices de
votos nulos e o porcentual de indecisos. Por ora, a ordem é continuar
“percorrendo o País” e “dialogar com os eleitores, estejam eles indecisos ou
não”.
Nas últimas semanas, no entanto, Alckmin passou a aparecer mais ao lado da
mulher, Lu Alckmin, em vídeos e fotos das redes sociais. Em um deles, lembra
que são casados há 39 anos e em outro afirma que é “apaixonado” por ela.
Presidente nacional do PSOL e coordenador da pré-campanha de Guilherme
Boulos, Juliano Medeiros disse que o número de eleitores descrentes com o
pleito pode ser creditado aos escândalos de corrupção e ao processo que levou à
cassação de Dilma Rousseff. Segundo ele, a estratégia da sigla é se aproximar
cada vez mais dos movimentos sociais. “A ideia é mostrar que o povo pode fazer
política”, afirmou ele.
Já o presidente do PDT, Carlos Lupi, disse que Ciro Gomes, presidenciável
do partido, assim como os demais, deve ter “humildade” para reconhecer as
razões pelas quais tanta gente pensa em anular o voto. “Nos últimos anos, não
foram poucas as notícias sobre escândalos, roubalheira e desvios”, disse ele,
acrescentando que a solução continua “dentro da política”. (Via: Estadão)
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