Na tarde de terça-feira (26), o
ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, já havia admitido seu vício em dinheiro e
poder ao confessar que costumava embolsar propinas milionárias de contratos
públicos enquanto comandava o governo quando, en passant , deixou
escapar: “Não tenho dúvida de que deve ter havido esquema de propina com a O.S.
da Igreja Católica, da Pró-Saúde”, disse. “O dom Orani devia ter interesse
nisso, com todo respeito ao dom Orani, mas ele tinha interesse nisso. Tinha o
dom Paulo, que era padre, e tinha interesse nisso. E o Sérgio Côrtes nomeou a
pessoa que era o gestor do Hospital São Francisco. Essa Pró-Saúde certamente
tinha esquema de recursos que envolvia religiosos. Não tenho a menor dúvida”.
De acordo com a Revista Época, as frases foram pronunciadas por meros
segundos, mas foi o suficiente para aludir ao passado de escândalos que mancham
a história da igreja católica no Rio de Janeiro. Segundo a revista, dez anos
atrás, um quadro de gastos inexplicáveis promovidos pelo padre Edvino Alexandre
Steckel, então ecônomo responsável por administrar os bens da Arquidiocese do
Rio, foi revelado pelo jornal O Dia . Chegado a ternos finos e vinhos caros, o
padre gastou ao menos R$ 15 milhões em pouco menos de um ano e meio em que
esteve à frente dos negócios da igreja. Do montante, R$ 2,2 milhões serviram
para adquirir um apartamento de 500 metros quadrados no Flamengo, designado
como moradia para o então arcebispo Dom Eusébio Oscar Scheid.
Steckel também decidira reformar andares da Catedral Metropolitana de São
Sebastião do Rio de Janeiro, o prédio em formato de vulcão inaugurado na Glória
em 1976. Comprou sofás com almofadas de penas de ganso revestidas de couro em
uma loja de luxo de Ipanema, com os quais gastou nada menos que R$ 38,5 mil,
além de poltronas de quase R$ 7 mil cada. Três carros, sendo um blindado,
também foram comprados por Steckel por mais de R$ 200 mil.
O caso se tornou ainda mais escandaloso quando colocado em contexto. Meses
antes, o mesmo padre que torrava o dinheiro da igreja com itens de luxo havia
demitido 67 funcionários da Arquidiocese e extinguido núcleos de ajuda
solidária a crianças pobres e refugiados, por exemplo. Para tanto, contratou
uma consultoria da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e alegou que a igreja deveria
ser tocada como uma empresa.
Comprado em dezembro de 2008, o apartamento no Flamengo, por conta dos
pisos e revestimentos trocados e da estrutura reformada antes da farra com o
dinheiro católico ser descoberta, foi posto à venda por um preço menor do que o
da compra. Steckel devolveu dois carros, mas Dom Eusébio ficou com o dele.
Steckel e Dom Eusébio também fundaram, em 2006, a Associação de
Solidariedade, Justiça e Paz (ASJP), que no mesmo período lançou um cartão de
crédito para os fiéis cuja anuidade era recolhida para os cofres da igreja.
O padre Steckel acabou afastado dos cargos de ecônomo da Arquidiocese e de
diretor da Rádio Catedral. Mestre e doutor em História Eclesiástica pela
Pontifícia Universita Gregoriana, de Roma, Steckel trabalha atualmente como
coordenador de cátedra na Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio).
Continua vivendo em um apartamento na Lagoa, costuma consumir os pães
artesanais feitos pelo amigo, o maestro panificador Marcos Cerutti, da padaria
de luxo S.P.A Pane, e mantém contato com gente da alta sociedade carioca, como
a empresária Maria Clara Tapajós. Seu caso nunca foi parar na Justiça.
Cardeal-arcebispo aposentado, Dom Eusébio, por sua vez, também permaneceu
incólume. Vive hoje em um condomínio de casas de luxo em São José dos Campos,
São Paulo. “Nunca houve punição pra ele”, diz Adionel Carlos da Cunha, de 77
anos, 52 dos quais à serviço da Arquidiocese como assessor de imprensa. “Que eu
saiba não houve nem investigação”, continuou, em referência a Dom Eusébio, que
foi arcebispo entre setembro de 2001 e fevereiro de 2009, quando o cardeal Dom
Orani João Tempesta assumiu o comando da Arquidiocese. “Não tem nada a ver que
Dom Eusébio seja culpado por isso, não”.
À época, Dom Orani assumiu o lugar de Dom Eusébio e logo contratou uma
auditoria para calcular o tamanho do prejuízo promovido por Steckel. Também
decidiu recontratar os 67 funcionários que haviam sido demitidos.
Não demorou muito, e a imagem de bom gestor foi maculada por outro
escândalo. O monsenhor Abílio Ferreira da Nova, escolhido por Dom Orani para
ocupar o lugar de Steckel na administração da Arquidiocese, foi preso no
aeroporto do Galeão em setembro de 2010, um ano depois do afastamento de
Steckel. Tentava embarcar rumo a Portugal com 52 mil euros escondidos em comida
enlatada, na mala despachada, e nas meias. Foi denunciado pelo Ministério
Público Federal por evasão de divisas, mas pagou uma multa para viver em
liberdade.
Caso Sérgio Cabral decida falar mais, o cardeal Dom Orani terá um passado
não tão longínquo com o qual se preocupar. As informações são da Revista
Época.
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