Sentado em uma cadeira alta em
seu escritório no segundo andar do museu que leva seu nome na região portuária
de Santos, Pelé esbanja alegria. Sobre a mesa, uma coroa. A perna esquerda
permanece apoiada improvisadamente em uma caixa. A posição é mais confortável
para sua coluna, recém-operada. No fundo, um quadro em forma de retrato, quase
em tamanho natural, colorido, em que ele aparece com a camisa da seleção
brasileira.
Antes da primeira pergunta do Estado,
abraços e apertos de mão em um casal que veio vê-lo, numa típica cerimônia de
beija-mão. Pelé sorri. Recebeu muitos naquele dia, entre eles alguns jogadores
do passado do Santos, como Clodoaldo, Dorval, Pepe e Mengálvio. Ao Estado,
disse que “é preciso ter fé no Brasil e confiar nas pessoas que estão no
comando do País”.
Os olhos ficaram avermelhados quando referiu-se ao filho
Edinho, solto da prisão e agora trabalhando na base do Santos. “Ele pagou a
pena sozinho. Outros envolvidos foram soltos rapidamente (tráfico de drogas foi
a acusação). Pai sempre quer o bem do filho. Sempre. Espero que sirva de
exemplo para outros jovens”, disse.
Pelé também pediu licença para agradecer aos que oraram por
ele quando estava internado, com infecção urinária. “Estou bem agora. Que Deus
projeta todos vocês. Obrigado pelo carinho.” Aos 79 anos, promete se
“aposentar” após a Copa do Catar.
Como você está
vendo o País nesse momento?
O Brasil sempre vai ser um país grande.
Infelizmente, estamos atravessando um momento ruim. Mas já vivemos isso antes,
já atravessamos situações difíceis antes. Quando estava em Bauru, muitos amigos
do meu pai, seu Dondinho, já diziam que o Brasil não tinha jeito, que isso, que
aquilo… Mas vamos sair dessa, melhorar. O Brasil tem jeito, sim. Temos de confiar.
Temos de ter fé em Deus e nos homens e vamos sair dessa mais uma vez. Viva o
Brasil!
O futebol tem
presenciado momentos de racismo nos estádios. O que você pensa disso?
Não sei exatamente o que aconteceu
recentemente com jogadores brasileiros lá fora, qual foi o grau do desrespeito.
Há coisas que a gente vê no futebol e fora dele. Mas isso sempre houve. Na
Argentina, por exemplo, a torcida me chamava de negro. O Santos sofria com isso
(essas provocações). Na Suécia não havia negros. Eu me sentia diferente lá. As
meninas passavam a mão no meu rosto por causa da minha cor. Mas Deus foi tão
bom comigo que nunca tive problema desse tipo… Só na Argentina, onde me
chamavam de “negrón”. Eu deixava passar. Mas numa época como a nossa hoje, é
estranho. Há tantas outras coisas ruins no mundo de hoje, por exemplo, o
feminicídio… Homens dando pancadas em mulheres, até matando as mulheres.
Continuo orando para que Deus me dê força para sempre estar do lado do bem e
positivo na vida
Quando fez o
milésimo gol, você pediu para as crianças. Foi mal interpretado em alguns
casos, chamado de demagogo…
Há 50 anos, falei do desrespeito com as
crianças… Fiz até uma musiquinha. Mas não era tão grave como é agora. As
crianças eram mais bem tratadas lá atrás. Agora estão matando e abusando delas
Então, eu estava certo.
Como foi receber o
Edinho de volta, após seu filho ter sido solto da prisão e pagado pena?
Por mais que você queira dizer que não,
que tem de pagar porque errou, um pai sempre quer proteger os filhos. Isso é o
que a gente faz. O que aconteceu, não foi só com o Edinho. Tinha dois ou três
jogadores do Santos que foram liberados. Mas o Edinho teve de pagar a pena.
Graças a Deus ele está de volta e trabalhando no Santos. Espero que sirva de
exemplo para outros. Está recuperado, o que era mais preocupante para mim. Como
ele voltaria? Como iríamos encontrá-lo? Mas está bem. Agradeço ao Santos por
ter dado trabalho a ele e espero não ter mais surpresas nesse sentido.
Aprova a seleção
brasileira?
Sim. O time foi bem montado, ganhou a Copa
América, mas dá para exigir um pouco mais. Sempre dá para jogar melhor.
E o futebol
brasileiro?
Não sei se é o futebol brasileiro que está
mal. De uma maneira geral, é a política do País. O Brasil está assim. O futebol
ainda está dando alegria. Quem está na final da Libertadores? O Flamengo. Então
o futebol tem feito sua parte. O Flamengo está representando o futebol
brasileiro no mundo. Espero que seja campeão. Esperava que fosse o Santos, mas
o Santos está bem também. É o que temos no Brasil no momento, não adianta
exigir mais do que temos atualmente.
Você disse há
cinco anos que queria diminuir o ritmo, ter uma sala no museu e ficar olhando o
porto. A sala está pronta.
Deu para diminuir o ritmo nos últimos
anos, mas não como gostaria. A partir do ano que vem e da próxima Copa, vou ter
mais tranquilidade. O que aconteceu comigo foram problemas de saúde. Este mês,
mesmo com a cirurgia na coluna, estou atendendo Fiz algumas viagens. Quem sabe
não jogo a próxima Copa e aí penduro a chuteira de vez?
Blog: O Povo com a Notícia
Via: Agência Estado