O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) entregou à União 55 presentes recebidos de autoridades estrangeiras durante o mandato, a maioria (87%) avaliada em menos de R$ 9.000.
A esse conjunto foi atribuído um valor total de R$ 444 mil, segundo documento fornecido à Folha pela Presidência em resposta a um pedido via LAI (Lei de Acesso à Informação).
Bolsonaro, portanto, transferiu ao patrimônio público uma parcela mínima do que ganhou. Deixou de fora, por exemplo, as joias oferecidas pela Arábia Saudita e que o colocaram na mira da Polícia Federal. A defesa argumenta que ele tinha respaldo legal para ficar com os artigos de luxo.
Nos quatro anos em que governou o país, o ex-presidente acumulou cerca de 19 mil itens oferecidos por empresas, populares, autoridades nacionais e do exterior. Recebeu de joias avaliadas em milhões de reais a livros e alimentos, segundo os registros oficiais.
Entre os 55 objetos transferidos à União há esculturas, quadros, porcelanas e até uma camisa do time de futebol D.C. United emoldurada em quadro, presente de Donald Trump em 2020.
A área do Planalto encarregada dos acervos presidenciais atribuiu a 48 itens valores entre R$ 91,40 (pintura enviada pela Grécia) e R$ 8.981,12 (escultura de um cavalo oferecida pela Índia).
A peça de maior preço estimado (R$ 130.650) é uma escultura em metal representando a alvéola-amarela, ave nacional do Catar, oferecida a Bolsonaro em 2019 pelo emir daquele país, o xeque Tamim bin Hamad Al Thani. A obra é assinada pela artista britânica Solange Azagury-Partridge.
Investigadores envolvidos no caso das joias destacam a similaridade entre objetos entregues ao patrimônio público e peças levadas pelo ex-presidente ao término do mandato.
O inquérito da PF apontou, por exemplo, que um dos conjuntos de presentes tirados do país para ser vendido era composto de duas esculturas --um barco dourado, sem identificação de procedência, e uma palmeira dourada, recebida em 2021 por ocasião da participação de Bolsonaro em encontro empresarial da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, no Bahrein.
Não há uma estimativa do quanto vale todo o acervo pessoal de Bolsonaro, que inclui, entre outros, relógios, facas, gravatas, bonés, camisas de futebol, munição e armas. A Presidência produziu relatórios sobre todo o conjunto de 19 mil itens, mas não detalhou valores.
O acervo pessoal foi retirado dos palácios da Alvorada e do Planalto em caminhões de mudança durante o último mês de dezembro. Parte foi levada para um galpão em Brasília, localizado em área de propriedade o ex-piloto de Fórmula Nelson Piquet, simpatizante de Bolsonaro.
Na segunda (5), o Ministério Público junto ao TCU protocolou uma representação para que a corte de contas promova um levantamento de todos os presentes e itens recebidos pelo ex-presidente, "por ocasião das visitas oficiais ou viagens de estado ao exterior, ou das visitas oficiais ou viagens de estado de chefes de Estado e de Governo estrangeiros ao Brasil".
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Assinada pelo procurador Lucas Rocha Furtado, a representação pede também que seja determinada a devolução dos presentes que atendam essa condição, além do encaminhando do documento para a Procuradoria-Geral da República, para as providências cabíveis.
A defesa de Bolsonaro entende que os artigos de luxo como as joias pertencem a Bolsonaro e que ele tinha amparo legal para dispor deles como bem entendesse. Sustenta essa linha de argumentação com base em uma lei e um decreto presidencial que definiram regras sobre o assunto.
A lei 8.394/1991, do governo Fernando Collor, trata da preservação, organização e proteção dos acervos documentais privados dos presidentes da República.
De acordo com ela, os documentos que constituem o acervo presidencial privado são, na sua origem, de propriedade do presidente, "inclusive para fins de herança, doação ou venda".
A norma diz que a União terá direito de preferência em uma eventual venda e que os artigos também "não poderão ser alienados para o exterior sem manifestação expressa da União".
Com base nessas duas normas, os advogados do ex-presidente dizem que ele tinha o direito de vender as joias recebidas de autoridades sauditas. Em resposta à Folha, eles ainda atribuíram a um "equívoco" ou "desinformação" por parte da assessoria da Presidência da República a falta de comunicação prévia sobre a intenção do ex-mandatário de levar os objetos para os Estados Unidos e vendê-los.
A defesa desconsidera um julgamento do TCU (acórdão nº 2255/2016) que definiu balizas mais rígidas sobre recebimento e posse de presentes pelos mandatários.
"Imagine-se a situação de um chefe de governo presentear o presidente da República do Brasil com uma grande esmeralda de valor inestimável, ou um quadro valioso. Não é razoável pretender que (...) possam incorporar-se ao patrimônio privado do presidente da República, uma vez que ele os recebe nesta pública qualidade", escreveu o ministro Walton Alencar, relator do caso.
Alencar destacou o fato de que o dinheiro para bancar presentes dados a autoridades estrangeiras sai dos cofres públicos. Portanto, em contrapartida, os presentes recebidos também devem ser públicos, "à exceção de itens de uso pessoal ou de caráter personalíssimo".
O TCU afirmou que deveriam permanecer "como bens públicos", sob a guarda da Presidência, "todos os demais presentes --incluídas as obras de arte e os objetos tridimensionais".
Nesse acórdão, o tribunal identificou que, de 1.073 presentes recebidos de 2002 a 2016, apenas 15 haviam sido incorporados ao patrimônio público. Com isso, determinou a devolução de 434 presentes dados a Lula, de 2003 a 2010, e de outros 117 recebidos por Dilma Rousseff, de 2011 a 2016. (Via: Folhapress)
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