Depoimento obtido com exclusividade pelo jornal O Estado de S. Paulo
mostra que representantes da cúpula do governo estadual fizeram um acordo com o
chefe do PCC (Primeiro Comando da Capital), Marco Willians Herbas Camacho, o
Marcola, para pôr fim à onda de ataques da facção criminosa, em maio de 2006. A
reunião foi feita dentro do presídio de segurança máxima de Presidente
Bernardes.
A declaração, do delegado José Luiz Ramos Cavalcanti, foi dada durante
depoimento em processo judicial que investigou advogadas supostamente ligadas
ao crime organizado. Ele foi um dos escolhidos pelo governo para participar do
encontro em 2006. Apesar de essa possibilidade ter sido divulgada na época dos
atentados, o governo do Estado sempre negou o acordo com o PCC e admitiu apenas
que a conversa com Marcola foi uma condição para a rendição da facção.
A proposta do crime organizado foi levada pela advogada Iracema
Vasciaveo, então presidente da ONG Nova Ordem, que defendia o direito dos
presos e, na época, representava o PCC: se os responsáveis pelo comando dos
atentados nas ruas fossem informados de que Marcola estava bem fisicamente, que
não havia sido torturado por policiais e que os presos amotinados não seriam
agredidos pela Polícia Militar, os ataques seriam encerrados.
O recado deveria ser dado pelo próprio chefe do PCC. O papel de Iracema
era convencer Marcola a aceitar a ideia.
A cúpula das secretarias de Segurança Pública e da Administração
Penitenciária, cujos chefes na época eram Saulo de Castro Abreu Filho e Nagashi
Furukawa, respectivamente, aceitou a ideia da advogada. O então governador, Claudio
Lembo, autorizou o encontro.
Missão: No depoimento, que está no processo criminal 1352/06, Cavalcanti conta
que recebeu uma ligação em 14 de maio, dois dias depois do início dos ataques,
do seu chefe Emílio Françolim — diretor do Departamento de Narcóticos, o Denarc
—, convocando-o para a viagem. Na ocasião, dezenas de policiais já haviam sido
mortos em atentados.
A missão do delegado era acompanhar a advogada Iracema Vasciaveo até o
Presídio de Presidente Bernardes. Os dois e mais o corregedor da Secretaria da
Administração Penitenciária, Antonio Ruiz Lopes, foram no avião da PM até
Presidente Prudente, onde se encontraram com o comandante da região, coronel
Ailton Brandão, e seguiram para o presídio.
Cavalcanti contou que Ruiz Lopes e o diretor do Presídio de Presidente
Bernardes, Luciano Orlando, autorizaram que a advogada entrasse com celulares.
Todos ficaram em uma sala e Marcola foi levado por um agente penitenciário.
Iracema então se apresentou e começou a conversar com o chefe do PCC.
Inicialmente, ela tentou convencê-lo a falar ao celular com outro criminoso,
que comandava os ataques — o homem nunca foi identificado pela polícia.
Marcola se recusou. Ele teria lamentado a morte tanto de policiais
quanto de bandidos. A advogada insistiu e, finalmente, o chefe do PCC aceitou a
proposta. Como não fala ao celular, ele pediu para chamar o preso Luis Henrique
Fernandes, o LH, que é de sua confiança.
Segundo Cavalcanti, "LH foi trazido para a sala e Marcola disse que
ele poderia falar ao telefone e dar a mensagem da advogada; LH concordou, e a
advogada entregou o seu telefone, que já tinha um número previamente gravado na
memória, para onde LH ligou e conversou com uma pessoa desconhecida".
O delegado negou a proposta de qualquer acordo, mas disse que Marcola
pediu que a polícia respeitasse o direito dos presos, o que lhe foi garantido
pelo comando da PM. Cavalcanti ainda relatou que "supõe que o bloqueador
de celular tenha sido desligado", pois LH fez algumas tentativas antes de
completar a ligação. Por fim, declarou que "no fim daquele dia e no dia
seguinte os ataques definitivamente pararam". O policial não quis dar
entrevista, mas confirmou as declarações.
Celulares: A advogada Iracema Vasciaveo confirmou os fatos narrados por Cavalcanti.
Segundo ela, a situação estava "fora de controle". Ela contou que,
quando recebeu a proposta dos bandidos, levou ao conhecimento de colegas na
Polícia Civil.
"Naquele domingo (14 de maio de 2006), recebi um telefonema com uma
ordem: que eu fosse para o Campo de Marte, porque de lá seguiria para
Presidente Bernardes." Lá, a advogada afirma que recebeu de um policial os
celulares usados no presídio.
Ela também rejeita a palavra "acordo". Segundo Iracema,
"havia uma chance para encerrar os ataques, e tudo foi feito para que isso
fosse possível". (Via: Jornal O Estado de S. Paulo/R7)
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