Ministério da Saúde distribuiu pelo menos 265 mil comprimidos de cloroquina, azitromicina e ivermectina a indígenas em cinco estados, com o propósito de tratar infecções pelo novo coronavírus. Os três medicamentos não têm eficácia para Covid-19.
Parte dessas drogas foi comprada diretamente por DSEIs (Distritos Sanitários Especiais Indígenas), vinculados ao ministério e com atuação de saúde na ponta, junto às comunidades.
Um informe técnico da Sesai (Secretaria Especial de Saúde
Indígena), de junho de 2020, orientou os DSEIs a "instruir seus
respectivos processos de aquisição" de cloroquina e hidroxicloroquina,
caso municípios e estados se negassem a fornecer o medicamento.
O envio maciço de medicamentos sem eficácia a indígenas
entrou no foco da CPI da Covid no Senado. A estratégia da atual gestão do
Ministério da Saúde e do general da ativa Eduardo Pazuello, que impulsionou a
prática ao longo de sua administração na pasta, é sustentar que os comprimidos
se destinaram aos tratamentos previstos na bula.
A cloroquina, por exemplo, é usada no tratamento de malária.
A doença atinge cerca de 194 mil brasileiros por ano, dos quais 193 mil (99,5%)
na região amazônica.
A azitromicina é um antibiótico usado principalmente no
tratamento de doenças respiratórias. E a ivermectina se destina a infecções por
parasitas.
Documentos e registros do próprio ministério contrariam a
versão de que as compras e distribuição dos medicamentos se destinaram a essas
doenças, e não para Covid-19.
Notas de empenho referentes a compras de azitromicina pelos
DSEIs Alto Purus, no Acre, e Cuiabá registram que a aquisição do medicamento se
destinou ao "enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do
Covid-19" ou a "medidas de controle de infecção humana pelo novo coronavírus
(Covid-19)". O empenho é a autorização para o gasto.
Para o tratamento de indígenas no Acre foram adquiridos 20
mil comprimidos de azitromicina com dosagem de 500 mg. É a mesma especificação
recomendada em nota técnica do Ministério da Saúde, atualizada em maio, que
embasa o combo de medicamentos sem eficácia para Covid-19: cloroquina,
hidroxicloroquina, azitromicina e Tamiflu, este último recomendado para gripe.
Cada comprimido saiu por R$ 1,82. O valor total foi de R$
36,4 mil.
A azitromicina adquirida pelo DSEI Cuiabá também tinha
dosagem de 500 mg. O valor unitário foi de R$ 1,25. Os 20 mil comprimidos
custaram R$ 25 mil.
Também houve compras de antibióticos por DSEIs em Mato
Grosso, para os indígenas do Xingu e para os xavantes, e em Rondônia, para
etnias como suruí, cinta larga e terena.
As compras são informadas num portal alimentado pelo
Ministério da Saúde, chamado Localiza SUS, criado para divulgar os gastos e
ações de combate à pandemia.
O mesmo Localiza SUS faz um detalhamento do envio de 100,5
mil comprimidos de cloroquina, todos eles destinados a indígenas em Roraima. O
objetivo foi o tratamento de Covid-19, segundo o portal.
Do total distribuído, 39,5 mil se destinaram aos yanomami em
Roraima. O restante foi usado em comunidades da terra indígena Raposa Serra do
Sol.
Há ainda distribuições feitas pela Aeronáutica e cujos
destinos a Força Aérea Brasileira mantém ocultos, como a Folha mostrou em
reportagem publicada no último dia 6.
Um desses transportes foi para a região chamada Cabeça do
Cachorro, no Amazonas, na fronteira com a Colômbia e a Venezuela. Pelo menos
1,5 mil comprimidos de cloroquina foram transportados para o local, onde estão
23 etnias.
Também houve uma compra direta de cloroquina pelo DSEI de
Vilhena (RO). Segundo os registros do Localiza SUS, a aquisição está associada
a ações contra a Covid-19.
É a mesma situação de aquisições de 24 mil comprimidos de
ivermectina pelos DSEIs Alto Rio Negro, que atende a Cabeça do Cachorro, e
Xingu, em Mato Grosso.
O Ministério da Saúde distribuiu ainda 370,2 mil cápsulas de
Tamiflu a indígenas em 16 estados. A pasta registra que o medicamento se
destinou ao combate à influenza, mas o Tamiflu integra o kit do chamado
"tratamento precoce" de Covid-19, previsto em protocolo ainda em
vigência.
A Folha questionou o ministério sobre cada compra e
distribuição a indígenas de medicamentos sem eficácia para Covid-19. "O
antimalárico é adquirido e enviado regularmente a 25 DSEIs que estão em área
endêmica", disse, em nota, em relação à cloroquina.
"Azitromicina e ivermectina são medicamentos que constam
na Rename (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais) e utilizados em
diversos tratamentos de atenção primária do SUS. A aquisição de medicamentos da
Rename é feita a partir das demandas de atendimento dos DSEIs", afirmou.
Segundo o ministério, serviços básicos de saúde não foram
suspensos durante o pico da pandemia. "Somente em 2020, foram realizados
mais de 12,1 milhões de atendimentos nas aldeias, e contratados mais 700 profissionais
para reforçar a assistência em saúde."
Na CPI da Covid, no segundo dia de depoimento, Pazuello negou
que sua gestão tivesse distribuído medicamentos do "tratamento
precoce" aos DSEIs. A negativa ocorreu na quinta-feira (20), em resposta a
questionamentos do senador Fabiano Contarato (Rede-ES).
O general da ativa contou outras mentiras em seus depoimentos
na CPI, em relação a vacinas e à crise do oxigênio em Manaus em janeiro, o que
despertou a reação de senadores não alinhados ao governo de Jair Bolsonaro. (Via: Folhapress)
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