Trabalhadores
e estudantes da USP (Universidade de São Paulo) bloqueiam o trânsito na rua
Teodoro Sampaio, em São Paulo durante greve geral, no dia 14 de março de 1989
Os
movimentos sociais e centrais sindicais convocaram para a próxima sexta-feira
(28) uma greve geral nacional contra a reforma da Previdência e mudanças na
legislação trabalhista propostas pelo governo Michel Temer. Segundo os
sindicatos, espera-se que a greve seja geral, ou seja, una diferentes
categorias profissionais em vários Estados da federação em prol de uma única
causa e que elas, juntas, parem o país.
O último movimento que teve a
proposta de paralisar o Brasil, ocorrido em 15 de março, apesar de ter sido
nacional, não tinha a proposta de ser uma greve. “Em alguns lugares, acabou
sendo. A ideia inicial era fazer assembleia na porta das fábricas, mobilizar os
trabalhadores, atrasar o trabalho, mas não paralisar de fato, o que acabou
acontecendo em algumas categorias”, explicou João Cayres, secretário-geral da
CUT (Central Única dos Trabalhadores) em São Paulo.
Nesse dia, serviços essenciais, como os transportes de massa, chegaram a
ser interrompidos em algumas cidades no início da manhã, estratégia considerada
essencial para garantir a adesão de trabalhadores a uma paralisação.
Cayres afirmou que há uma grande expectativa do movimento sindical
para o dia 28. “Desde 1996 o Brasil não vive uma greve geral. Os sindicatos
estão mobilizando suas bases, aprovando a participação das categorias em
assembleia”, disse.
Segundo Paula Marcelino, professora do departamento de Sociologia
da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) da USP
(Universidade de São Paulo), o que vai garantir o sucesso da greve geral é
quais categorias vão aderir a ela. “Certas categorias têm uma capacidade de
pressão mais expressiva, como os metalúrgicos, o setor dos transportes,
petroleiros. Os professores, por exemplo, não têm praticamente nenhuma”,
explica.
A maior greve geral nacional já realizada no Brasil aconteceu em 1989, mas
ainda assim não conseguiu parar completamente os setores produtivos do
país.
“Estamos falando de um país de dimensão continental, mesmo para uma única
categoria conseguir com que os trabalhadores parem em todos os Estados não é
algo simples”, pondera Marcio Pochmann, professor do Instituto de Economia com
ênfase em políticas e do trabalho da Unicamp (Universidade Estadual de
Campinas).
Mesmo assim, entre os dias 14 e 15 de março de 1989, 70% da população
economicamente ativa do país teria paralisado suas atividades, segundo
levantamento feito pelas centrais sindicais na época — o Brasil tinha mais de
59 milhões de trabalhadores. A verdade é que não dá para saber se essa
porcentagem é exata, porque houve uma verdadeira guerra de números entre os
comandos de greves e as entidades patronais quanto a adesão à greve. “Tivemos
algumas greves gerais depois da redemocratização, mas acredito que essa foi a
mais expressiva”, afirma Marcelino.
Um levantamento feito pela “Folha de S. Paulo” mostrou que, só no dia 14
daquele ano, em 12 das 26 capitais brasileiras nada funcionou. Nas demais, a
paralisação foi parcial. O comando unificado da greve avaliou em US$ 1,6
bilhão o prejuízo causado pela paralisação nos dois dias — valores da
época.
14 e 15 de março de 1989: dias que quase pararam o Brasil
Já imaginou conseguir fazer a feira com uma taxa de inflação galopante
atingindo mais de 1.000% no final do ano? Essa era a realidade do brasileiro no
ano de 1989, cuja inflação acumulada ficou em 1.782,9%, a maior taxa já
registrada na história do país.
Na tentativa de controlar a inflação, o presidente da época, José Sarney
(PMDB), decretou em janeiro daquele ano o último plano de estabilização do seu
governo: o Verão, que entre outras medidas, congelou preços e salários e criou
o cruzado novo.
Diante da perda do poder aquisitivo do trabalhador gerada pelo “choque
verão”, a CUT (Central Única de Trabalhadores) e pela antiga CGT (Central Geral
dos Trabalhadores) convocaram a greve geral de 1989.
Duas grandes greves gerais já haviam sido realizadas depois da
redemocratização, em 1986 e 1987, todas sob a bandeira da reposição salarial
dos trabalhadores diante da inflação. As greves atingiram todos os Estados do
país, em maior ou menor proporção, mas não chegou a paralisar nenhuma das
capitais, como em 1989.
Segundo reportagem da “Folha de S. Paulo” da época, a mobilização
paralisou Maceió (AL), Manaus (AM), Salvador (BA), Vitória (ES), São Luís (MA),
Belém (PA), João Pessoa (PB), Curitiba (PR), Recife (PE), Porto Alegre (RS),
Aracaju (SE) e Rio de Janeiro (RJ). Nas demais capitais, várias categorias
paralisaram, mas a greve foi parcial.
Pochmann conta que as greves do final da década de 1980 aconteceram no
auge do chamado novo sindicalismo, com sindicatos mais engajados e combativos.
“O Brasil se tornou o segundo país do mundo em número de greves, perdendo
apenas para a Espanha”, explicou.
Sobre a de 1989, ele explica que o maior engajamento conquistado nela se
deu por causa da influência do espírito cívico que girou em torno da
promulgação da Constituição de 1988 e as primeiras eleições gerais para
presidente após 21 anos de ditadura militar, que aconteceriam em novembro
daquele ano.
Em São Paulo, teve boato sobre ônibus nas garagens
Na maior cidade do país, nenhum ônibus da antiga CMTC (Companhia
Metropolitana de Transporte Coletivo) circulou nos dois dias de greve geral,
deixando de transportar mais de 2,1 milhões de paulistanos em cada dia.
Os metroviários ficaram de fora da mobilização por causa de uma ameaça de
demissão do governo de Orestes Quércia (PMDB). Mas o metrô registrou queda de
40% no movimento. Bancos e comércio abriram suas portas parcialmente, mas tiveram
pouco movimento.
Teve até o boato de que a então prefeita de São Paulo, Luiza Erundina
(então no PT, hoje no PSOL), tinha algo a ver com a paralisação dos ônibus
— o que foi veementemente negado por ela.
Em Porto Alegre, houve a paralisação total do transporte público nos dois
dias e o prefeito da cidade na época, Olívio Dutra (PT), chegou até a
participar de piquetes feitos pelos bancários.
O apoio de prefeitos à greve fez com que o governo Sarney classificasse a
mobilização como “chapa-branca”. O presidente disse na época que “a greve teve
êxito, assim mesmo relativo, onde o poder público colaborou com o movimento”.
No segundo dia de paralisação, o governo Sarney aceitou chamar os
trabalhadores para negociar as perdas salariais.
Por que não teve mais uma greve geral tão grande como a de 1989?
Depois de 1989, outras greves gerais foram realizadas na década de 1990,
com destaque para a de 1991, no governo Collor, e de 1996, no primeiro mandato
de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Mas elas não conseguiram alcançar as
façanhas de 1989.
Ocorrida em 22 e 23 de maio de 1991, a greve geral foi convocada pela CUT
e CTGs pela reposição mensal da inflação e das perdas salariais. Foi
considerada exitosa apenas na Paraíba, onde, segundo a CUT, 95% das categorias
profissionais aderiram à paralisação. A Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas) calculou em US$ 150 milhões — valores da época — os prejuízos
causados pelas paralisações.
Já a de 1996, que aconteceu no dia 21 de junho, foi contra a política de
privatização, flexibilização de direitos trabalhistas e desemprego. Segundo as
centrais sindicais, o movimento conseguiu atingir 12 milhões de trabalhadores
brasileiros – 19% da população economicamente ativa.
“Depois da década de 1980, houve um período de fragmentação sindical. A
alta taxa de desemprego tornou mais difícil a mobilização dos trabalhadores.
Além disso, a queda da inflação proporcionada pelo Plano Real esvaziou a
principal reivindicação dos trabalhadores”, explica Marcio Pochmann.
Paula Marcelino pondera, no entanto, que elas conseguiram parar setores
produtivos importantes. Segundo ela, o fato de que as eras Lula e Dilma não
foram marcadas por greves gerais não significa que o movimento sindical
brasileiro esfriou.
“Lula e Dilma, com contradições indo e voltando, acabaram beneficiando os
trabalhadores com várias políticas econômicas e sociais”, explicou,
acrescentando que “uma conjuntura melhor para conquista dos trabalhadores, da
política econômica mais geral, desincentiva uma greve geral”.
Segundo ela, engana-se quem acha que as categorias estavam desmobilizadas.
“Esse período teve um número de greves bastante expressivo. Foram greves
ostensivas e vitoriosas. Em 2012, 95% dos acordos salariais foram fechados
acima do índice de inflação”, conta a pesquisadora.
Isso pode mudar por causa das reformas do governo Temer?
Segundo os especialistas ouvidos pelo UOL, tudo indica que sim. Marcelino
afirma que o movimento sindical entrou em um período defensivo, de não mais
focar na reivindicação de direito, mas de lutar para manter o que foi
conquistado.
“A conjuntura está bastante favorável para uma greve geral bem forte. Esse
é um governo ilegítimo, que o tempo inteiro propõe uma nova política que afeta
trabalhadores de maneira direta”, acredita.
Pochmann concorda e diz que, diferentemente das greves gerais das últimas
décadas, os temas tratados não dizem respeito mais aos problemas econômicas que
são sentidos no bolso do trabalhador. “Os temas são sobre o Brasil como um todo
[a política econômica, a forma política com que o país é conduzido]. Além
disso, há uma capacidade muito maior de mobilização que ultrapassa os
sindicatos”, disse. (Via: UOL)
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