A atuação frequente das Forças
Armadas em operações de segurança pública nos Estados “preocupa muito” pela
possibilidade de infiltração do crime organizado nas tropas, afirma o
comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Em entrevista ao jornal O
Estado de S. Paulo, o general diz que por isso quer evitar o uso frequente das
Forças Armadas e cita um caso registrado no Rio. “Foi pontual. Está
infinitamente distante de representar um problema sistêmico, mas temos
preocupação e estamos permanentemente atentos em relação a isso “.
Para o comandante, houve “negligência” em grande parte dos Estados em
relação à segurança pública. Ele avalia que o uso das tropas federais “não tem
capacidade” de solucionar os problemas e se mostra incomodado com a
possibilidade de “uso político” das Forças Armadas nas eleições. O comandante
avalia que, no dia 24, quando está sendo anunciada uma grande mobilização para
acompanhar o julgamento do ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva, em
Porto Alegre, a Brigada Militar do Estado tem “plenas condições” de controlar a
situação.
A seguir, a entrevista:
Em algumas comunidades, as organizações criminosas têm
conseguido eleger candidatos e fazer indicações políticas para cargos públicos.
Há preocupação da indicação política em polícias militares nos Estados?
A escolha de um comandante da Polícia Militar sempre tem o caráter
político. O problema é que houve distorção e adquiriu caráter
político-partidário. Isso acaba provocando sectarismos, divisões e perda da
coesão em instituições militares. A Constituição de 1988 permitiu que houvesse
direito de associações com caráter de sindicato, o que atrapalhou a hierarquia
e disciplina, porque ela é mecanismo de conter a violência e mantém a coesão
das instituições. Sempre que uma instituição perde sua coesão, ela traz
desgraças para ela própria e para a sociedade a que serve.
Há preocupação de que indicações políticas possam levar o crime
para as instituições?
As facções criminosas no Rio e em São Paulo, que se estendem para outros
Estados e produzem filhotes, e essa estruturação do crime, principalmente em
relação ao narcotráfico e associações internacionais, aumentam em muito a
capacidade de contaminação das instituições. Realmente preocupa porque isso
pode se estender, claramente, em todo o processo político, de forma que eles
coloquem pessoas ligadas a eles ou a seus próprios integrantes em cargos
públicos importantes.
Existe essa contaminação do crime nas tropas federais?
Há preocupação de contaminação das tropas, e por isso queremos evitar o
uso frequente das Forças Armadas. Recentemente, no Rio, verificamos desvios do
nosso pessoal. Foram pontuais, restritos a um ou outro indivíduo, de nível
hierárquico baixo. Está infinitamente distante de representar um problema
sistêmico ou institucional. Mas temos preocupação e estamos permanentemente
atentos.
O senhor teme o uso político das Forças Armadas para segurança
pública próximo das eleições?
Há preocupação de uso político das Forças Armadas com a proximidade das
eleições porque governos, não querendo sofrer desgastes políticos com a
população e em determinadas situações por comodidade, solicitam intervenção
federal.
Como o senhor classifica a situação da segurança pública do
País?
Tem havido negligência em relação à segurança pública no País. Mas também
é surpreendente uma certa passividade da população em relação a isso. Nenhum
conflito no mundo hoje faz perder o número de vidas que temos no Brasil, onde
são assassinadas 60 mil pessoas por ano. Há negligência em grande parte dos
Estados. Mas a questão da segurança é muito profunda e está claro que o simples
emprego das Forças Armadas não tem capacidade, por si só, de solucionar
problemas de segurança pública que estamos vivendo.
Onde a situação é pior?
Nos Estados do Nordeste, os índices de criminalidade são mais altos do que
no Rio de Janeiro. Só que o Rio é uma caixa de ressonância. Por isso, é difícil
dizer onde é mais grave ou não. No Rio Grande do Norte, de onde sairemos neste
fim de semana (a entrevista foi feita nessa sexta-feira), fomos empregados pela
terceira vez e, neste espaço de tempo, estruturalmente nada foi feito na
segurança pública do Estado. Sabemos que, ao sairmos de lá, os problemas
continuarão, o que indica que proximamente poderemos ser chamados a intervir. É
preciso que se modifique os aspectos na conduta dos governos locais em relação
à segurança pública. Acho que é inevitável que o governo federal terá de chamar
para si a responsabilidade, pelo menos parcialmente, porque o crime extrapola
as fronteiras e o combate está sem integração. Há Estados que nitidamente
negligenciam essas preocupações e, nesse caso, o governo federal tem de
intervir, usando Forças Armadas e Força Nacional de Segurança Pública.
Como resolver esta questão da criminalidade que afetou a
segurança pública?
Somos um País carente de disciplina social, que prioriza os direitos individuais
em relação ao coletivo e ao interesse social. E um ambiente de pouca disciplina
favorece à diluição das responsabilidades. Por isso, há uma certa resistência a
que se busque o saneamento das condutas individuais e coletivas. Por outro
lado, estamos vivendo uma imposição do politicamente correto, vivendo uma
verdadeira ditadura do relativismo e com uma tendência a que não se estabeleçam
limites nas condutas. Isso vai numa onda e volta em um refluxo que atinge as
pessoas e a sociedade como um todo. Isso está na raiz dos problemas, insisto,
do politicamente correto, privilegia e atua reforçando o seu caráter ideológico
e não apresentando a solução dos problemas. Quando nós vemos agressões a
mulheres, abusos, quando vemos desrespeito, na raiz disso está a falta de
limite e de disciplina que existe na sociedade. Precisamos de muito mais
educação e responsabilidade por parte de todos e cada um precisa cumprir
efetivamente seu papel e assumir suas responsabilidades até em relação à
segurança.
É necessário o uso das Forças Armadas em Porto Alegre no dia 24
de janeiro durante o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva?
Este é um problema essencialmente de segurança pública. Não precisa de
decretação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para isso. Assim como no Paraná
foi muito efetiva a atuação do governo estadual na estrutura de segurança
pública, o Rio Grande do Sul tem plenas condições de fazer face a essa questão.
A Brigada Militar gaúcha é uma corporação capacitada. A estrutura de segurança
pública tem condições de resolver o problema e o pedido do prefeito de tropas
federais é inconstitucional.
Há uma banalização do uso das Forças Armadas?
Há uma tendência à banalização do uso da Garantia da Lei e da Ordem (GLO)
e isso acarreta desvio de emprego das Forças Armadas.
Qual sua avaliação das eleições este ano?
As eleições, de certa forma, representarão um plebiscito em relação à Lava
Jato.
Blog: O Povo com a Notícia
Via: Estadão