O ministro Alexandre de Moraes,
do STF (Supremo Tribunal Federal), revogou nesta quinta-feira (18) decisão dele
próprio que censurou os sites da revista Crusoé e O Antagonista após publicarem
reportagens sobre o presidente da corte, Dias Toffoli.
A decisão foi tomada após duras críticas de juristas, entidades de
jornalismo e de ministros do Supremo, entre eles o decano, Celso de Mello, à
censura.
Relator de inquérito aberto para apurar fake news, ofensas e ameaças
contra o Supremo, Moraes determinou na segunda (15) que fossem retiradas do ar
reportagens que faziam menção ao apelido de Toffoli na Odebrecht. A ordem foi
dada após um pedido de providências do ministro.
O recuo de Alexandre evita mais desgaste para ele e Toffoli, que ficaram
isolados na defesa da decisão. Deve impedir também um provável revés no
plenário, caso um recurso levasse o caso para julgamento no colegiado.
Em mensagem divulgada nesta quinta-feira, o ministro Celso de Mello chamou
a censura de intolerável e disse que é uma perversão da ética do direito. “A
censura, qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário,
mostra-se prática ilegítima, autocrática e essencialmente incompatível com o
regime das liberdades fundamentais consagrado pela Constituição da República”,
escreveu.
Mello não fez referência direta à decisão de Moraes contra os sites.
Os veículos censurados publicaram textos com uma menção a Toffoli feita
pelo empresário e delator Marcelo Odebrecht em um email de 2007, quando o atual
presidente do Supremo era chefe da AGU (Advocacia-Geral da União) do governo
Lula (2003-2010).
No email, enviado agora à Polícia Federal pelo empresário no âmbito de uma
apuração da Lava Jato no Paraná, Odebrecht pergunta a dois executivos da
empreiteira: "Afinal vocês fecharam com o amigo do amigo de meu
pai?". Não há menção a pagamentos ou irregularidades.
Nesta quinta, o ministro Marco Aurélio Mello classificou a decisão de
Moraes de mordaça e disse que aguardaria um recuo dele.
Em entrevista à Rádio Gaúcha, Marco Aurélio disse ainda que, na opinião
dele, a maioria dos ministros do Supremo era contra a determinação de Moraes de
retirada de reportagens.
"Penso que o convencimento da maioria é no sentido diametralmente
oposto ao do ministro Alexandre de Moraes. Eu o conheço bem, ele (Moraes) deve
estar convencido disso. Aguardo um recuo", afirmou Marco Aurélio.
Ao ser questionado se havia outra palavra, além de censura, para tratar a
ordem judicial de Moraes, Mello respondeu: "Mordaça. Isso não se coaduna
com os ares democráticos da Constituição de 1988. Não temos saudade do regime
pretérito. E não me lembro nem no regime pretérito, que foi regime de exceção,
de medidas assim, tão virulentas como foi essa".
Em entrevista publicada nesta quinta no jornal Valor Econômico, o ministro
Dias Toffoli defendeu a censura que havia sido determinada por Moraes.
"Se você publica uma matéria chamando alguém de criminoso, acusando
alguém de ter participado de um esquema, e isso é uma inverdade, tem que ser
tirado do ar. Ponto. Simples assim", disse.
Toffoli completou: "É necessário mostrar autoridade e limites. Não há
que se falar em censura neste caso da Crusoé e do Antagonista".
Nesta quarta-feira (17), Toffoli disse ao jornal que o documento com o
apelido "não diz nada com nada". "Daí tirem as suas conclusões.
Era exatamente para constranger o Supremo.
Quando eu era ministro, sem ser
presidente, nunca entrei com ação [contra uma publicação], nunca reclamei. Mas
agora é uma questão institucional. Ao atacar o presidente, estão atacando a
instituição."
De acordo com Toffoli, a revista e o site publicaram essa informação sobre
o apelido para constranger o Supremo dias antes de a corte analisar a
possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.
"É ofensa à instituição à medida que isso tudo foi algo orquestrado
para sair às vésperas do julgamento em segunda instância. De tal sorte que isso
tem um nome: obstrução de administração da Justiça."
O julgamento estava marcado para o último dia 10 de abril, mas foi adiado
por Toffoli uma semana antes. Já a reportagem do site e da revista foi ao ar
somente na noite de quinta-feira da semana passada, dia 11 — e o documento da
Odebrecht foi anexado nos autos da Lava Jato no dia 9 de abril.
Segundo o diretor da revista Crusoé, Rodrigo Rangel, "a reportagem descreve
o teor de um documento constante dos autos da Lava Jato, contextualizando as
informações nele contidas, sem fazer juízo de valor nem acusações ao
ministro". "E não há, no texto, qualquer tipo de ofensa ao Supremo
Tribunal Federal", afirma Rangel.
Ainda na entrevista ao jornal, o presidente do STF sugeriu existir
'interesses internacionais' por trás dos ataques à corte. "A destruição
das instituições e de reputações faz parte de uma campanha de ódio. Temos que
saber se não há interesses internacionais por trás disso, de desestabilizar as
instituições. Interesses nada republicanos."
Toffoli comentou também a decisão da procuradora-geral da República,
Raquel Dodge, de propor o arquivamento do inquérito aberto por ele para apurar
fake news e ofensas aos integrantes da corte. "A PGR opina, dá parecer.
Quem decide é a magistratura, é o Poder Judiciário."
Entenda o vaivém do Supremo
Anúncio Em 14.mar, presidente do STF, Dias Toffoli anuncia inquérito
sigiloso para investigar fake news e ameaças contra membros da corte e seus
familiares. O ministro decide que a relatoria fica a cargo de Alexandre de
Moraes, sem que seja feito sorteio, como é de praxe
Esclarecimentos Um dia depois, a procuradora-geral da República, Raquel
Dodge pede esclarecimentos sobre o inquérito e sugere que Supremo extrapola
suas prerrogativas
Polícia Federal Em 21 de março, Moraes determina, no âmbito do inquérito,
o cumprimento de dois mandados de busca e apreensão, em SP e em Alagoas
Reportagem No dia 11, sites da revista Crusoé publica reportagem ligando
Toffoli à empreiteira Odebrecht. Site O Antagonista também o faz
Censura Na sexta (12), um dia depois da publicação, Moraes censura sites e
determina que reportagens sejam tiradas do ar
Mandados A mando de Moraes, Polícia Federal cumpre, na terça (16),
mandados de busca e apreensão contra sete pessoas por supostamente atacarem o
Supremo nas redes sociais. Ministro determina a suspensão de suas contas nas
plataformas
Arquivamento Logo depois, no mesmo dia, Dodge envia ofício ao STF em que
afirma ter arquivado o inquérito
Prorrogação Mais tarde, Moraes afirma que decisão da PGR não tem amparo
legal. Ele mantém o inquérito, que é prorrogado por 90 dias
Reversão Na quinta (18), após sofrer fortes críticas, inclusive de
ministros do STF, Moraes volta atrás e derruba censura contra Crusoé e O
Antagonista. (Via: Folhapress)
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