Há exatos cinco meses, o Brasil confirmava oficialmente seu primeiro caso de
covid-19: um homem de 61 anos, de São Paulo, que havia chegado da
Itália.
Após mais de 2,3 milhões de infectados, 86 mil mortos – números que
só ficam atrás dos vistos nos Estados Unidos – e três ministros da Saúde, o
país parece ter chegado a uma relativa
estabilidade de novos casos, conforme afirmou a Organização Mundial
de Saúde (OMS) no dia 17 de julho – não sem um alerta.
“Os números se estabilizaram. Mas o que eles não fizeram foi começar a
cair de uma forma sistemática e diária”, disse o diretor executivo da OMS,
Michael Ryan, em coletiva de imprensa. “O Brasil ainda está no meio dessa
luta.”
É um platô que vem, portanto, com uma lista de ressalvas. Uma delas é
que a estabilidade resulta da soma de diferentes curvas: em alguns estados, a
curva já superou o pico, e a doença desacelera; em outros, há estabilidade; e
nos demais, o que se vê agora é uma aceleração da epidemia.
Em 12 unidades da federação há aceleração do número de mortes por
covid-19, conforme dados do consórcio de veículos de imprensa brasileiros que
apuram números junto às secretarias estaduais de saúde.
Quando considerados os municípios do país, 30,4% mostravam algum tipo de
aceleração no número de novos casos em 21 de julho. Outros 24,5 % apresentavam
estabilidade, e os 30,9% restantes, queda. O levantamento com recorte municipal
foi feito com exclusividade para a DW Brasil por Renato Vicente, professor
associado do Departamento de Matemática Aplicada da Universidade de São Paulo
(USP) e Rodrigo Veiga, doutorando do Instituto de Física da USP, ambos membros
da coalizão COVID Radar.
Na análise de municípios por estado, sete têm aceleração do número de
novos casos diários. O ranking mostra Sergipe, onde 86,2% das cidades estão em
aceleração, na pior situação, seguido por Bahia (75,8%), Roraima (72,7%), Santa
Catarina (72,6%), Piauí (72,3%), Paraná (64,2%) e Minas Gerais (64,2%).
Além disso, Amapá, Maranhão, Ceará e Rio de Janeiro já podem estar
enfrentando uma segunda onda, dado o aumento de casos semanais de Síndrome
Respiratória Aguda Grave (SRAG), conforme o último boletim InfoGripe da
Fiocruz, de 23 de julho.
Outra ressalva apontada para o platô brasileiro é que ele foi alcançado
com um número relativamente alto de mortes diárias. “É como se estivéssemos em
um carro na estrada e parássemos de acelerar, mas estamos correndo a 200 km/h;
vamos tomar multa“, afirma Domingos Alves, professor e pesquisador do
Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto (USP), que trabalha com projeções no grupo Covid-19 Brasil.
“Estamos mantendo uma média diária de mil mortes, e a gente sabe que
esses números estão subestimados”, alerta o ex-ministro da Saúde e pesquisador
da Fiocruz José Gomes Temporão, que esteve à frente do combate à H1N1. Um
estudo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que testou 89 mil pessoas
pelo país, concluiu que os números oficiais estão subestimados em cerca de seis
vezes.
Centro-Oeste e Sul viram novos focos
À medida que desacelera nos primeiros epicentros da doença no país, a
epidemia de covid-19 avança para o interior e, ao mesmo tempo, se mostra
mais forte em locais que tinham números relativamente baixos antes da
flexibilização de medidas de quarentena.
“O que nós vimos é que as capitais que estavam em situação mais aguda e
que lideravam a epidemia, que são São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e
Manaus, começaram a deixar de ter tanta importância, inclusive algumas têm
observado uma estabilidade“, explica Alves. “Agora, vemos uma interiorização da
epidemia, principalmente para esses estados que tinham a capital em situação
aguda, e um crescimento nas regiões Centro-Oeste e Sul e no estado de Minas
Gerais.”
Após a reabertura de suas economias, os três estados do Sul viram o
número de casos sair de quase 50 mil no dia 20 de junho para pouco mais de 155
mil um mês depois, enquanto as mortes passaram de 1.095 para 3.264.
O novo cenário forçou os gestores estaduais a repensarem as medidas de
relaxamento da quarentena. Em Santa Catarina, o governo voltou a restringir a
circulação de pessoas em sete regiões classificadas como em situação
gravíssima.
Desde junho, o Centro-Oeste é também um dos novos focos da epidemia.
Entre 8 e 28 de junho, o número de mortes cresceu mais de 191% na região, e o
de casos, 198%, segundo levantamento do consórcio dos veículos de imprensa.
Foram as maiores altas do período entre as regiões do país. A ocupação de
leitos de UTI subiu em todo o Centro-Oeste, com Mato Grosso tendo o pior cenário,
92% de ocupação, no começo de julho.
Há aceleração do número de mortes diárias também no Tocantins, na
Paraíba e em Minas Gerais. Somente em Belo Horizonte, a ocupação de leitos de
UTI saltou de 45% para 85% em junho, forçando a prefeitura a recuar da
flexibilização.
“Agora teria de fazer um lockdown no Sul e no Centro-Oeste. Nos lugares
onde o número de casos diários ainda está subindo ou estabilizando num patamar
muito alto, tem que fazer lockdown”, considera o epidemiologista e reitor da
UFPel, Pedro Hallal. (Via: Deutsche Welle)
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