A discussão sobre o papel dos municípios na segurança pública não é nova, mas, infelizmente, avança a passos muito lentos a cada eleição. É como se os candidatos a prefeito soubessem que têm parcela de responsabilidade no assunto, deixassem isso claro nas campanhas, mas, na hora do “vamos ver”, já com o mandato garantido, dissessem ao Estado o famoso “toma que o filho é teu”.
No pleito deste ano, a discussão ganhou um componente novo, que é a proposta de uso ostensivo das guardas municipais no enfrentamento à criminalidade. Já é um certo lugar comum nos discursos de campanha o tom policialesco de “vou pessoalmente cuidar da segurança pública do município”, “vou combater a marginalidade”, entre outras.
É preciso primeiro entender o que nos levou a isso. O clamor de boa parte da população por medidas mais enérgicas – refletido na adesão cada vez mais maciça de integrantes das forças de segurança à política – não surgiu do nada. Foi fruto de anos a fio em que a sociedade testemunhou atônita, a ascensão do tráfico de drogas e da criminalidade violenta sem que o sistema de Justiça e segurança se modernizasse de forma a acompanhar o “fenômeno”. Tivemos a tempestade perfeita: o crime ficou mais brutal e pulverizado enquanto o aparelho estatal – do policial da ponta ao sistema prisional, passando pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário – ficou parado no tempo.
Hoje é preciso correr atrás do prejuízo. As gestões estaduais, em maior ou menor grau, entenderam a gravidade do problema e investiram em gestões profissionais da segurança pública ao longo dos últimos 20 anos. Mas também não podem fazer tudo sozinhas. A parte que cabe ao município é bastante clara: muitos candidatos até já incorporaram em seus discursos a obviedade de que uma cidade minimamente cuidada e limpa, iluminada e com opções de lazer e empregabilidade para seu público mais jovem e socialmente vulnerável – ao mesmo tempo vítima e autor da criminalidade – larga na frente na prevenção à violência. Mas falta dar o passo adiante: salvo raras exceções, as secretarias destinadas ao tema são puxadinhos das guardas municipais e das autarquias de trânsito, não têm peso político para coordenar ou cobrar ações integradas das demais pastas.
Não que a tarefa seja fácil, mas há sinais de que é possível avançar. Veja o caso dos índices de criminalidade da Região Metropolitana do Recife: há uma tendência de queda no percentual de assassinatos ocorridos no Grande Recife com relação ao restante do Estado. Em 2004, 61,3% das mortes violentas aconteciam nos 14 municípios metropolitanos. Após anos de quedas – com uma pequena variação positiva entre 2016 e 2017 (dois dos piores anos desde a implantação do Pacto pela Vida, em 2007) – a taxa em 2019 fechou em 43,2%. Sinal inequívoco de que parte da criminalidade violenta migrou para o interior, onde há menos policiamento, menores índices de desenvolvimento e menor presença do Estado.
A taxa de homicídios por 100 mil pessoas na Região Metropolitana do Recife no ano passado terminou em 37, praticamente igual à do melhor ano do Pacto pela Vida, que foi 2013 (36,9). Claro que, com quase metade da população do Estado vivendo na área da metrópole é de se esperar que esforços de policiamento sejam mais direcionados ao Grande Recife.
É justamente a partir desse momento que os prefeitos têm que partir para dar o pulo do gato. Profissionalizar a gestão municipal da segurança pública, a exemplo do que muitos governos estaduais fizeram ao longo dos anos, é uma necessidade. Exige decisão política, acompanhamento constante e, claro, recursos. Mas é preciso acabar com o faz-de-conta e fazer o que tem de ser feito — apostar na prevenção, na ocupação de espaços vulneráveis, na educação e profissionalização dos jovens, na arte e no esporte…a receita não é nova e justamente por estar aí, na cara de todos, é que faz o processo ficar menos complicado.
Quanto ao armamento para as guardas: vale a pena? Entre tantas “certezas”, de um lado e de outro do espectro político, só há um caminho: discutir o assunto sem qualquer coleira ideológica. Em que lugares a prática foi adotada? Sob que condições de infraestrutura e treinamento? Para qual parte do efetivo? Houve resultados positivos concretos? Quantos casos de abuso por parte dos servidores? É o debate que deve ser travado e dele deve sair o posicionamento. Qualquer coisa que passe longe disso é achismo, de um lado ou de outro.
Por sua vez, é preciso que as forças nacionais e estaduais de segurança também façam a parte delas. O tráfico de drogas – mais notadamente o crack – ainda é o motor maior da criminalidade e, como os centros urbanos não produzem pasta-base de cocaína, é preciso que o fluxo da droga seja sufocado no nascedouro. Ou seja: nas fronteiras nacionais e divisas estaduais.
Por mais que pareça clichê, trata-se de um trabalho em conjunto. O que as populações dos municípios não podem esperar é que uma das partes se recuse a fazer seu papel. ( Por Felipe Vieira/JC)
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