Após quatro meses de crise com o Ocidente, a Rússia decidiu atacar a Ucrânia nesta quinta-feira (24), naquilo que Kiev chamou de invasão total. É mais grave crise militar na Europa desde a Segunda Guerra Mundial.
O presidente Vladimir Putin foi à TV para dizer que faria uma "operação militar especial" no Donbass, a área de maioria russa étnica no leste do vizinho. Seu comando militar, contudo, confirmou que "armas de precisão estão degradando a infraestrutura militar, bases aéreas e aviação das Forças Armadas ucranianas".
Além disso, o comando militar das repúblicas rebeldes afirma que está avançando com suporte russo rumo às fronteiras que consideram suas, violando assim território ucraniano que estava sob Kiev. O nome disso é guerra, invasão ainda que não total.
E há explosões ouvidas em diversos pontos do país, e uma chuva de versões em redes sociais. Houve relatos de Kiev, negados depois pelo governo, de forças russas desembarcando em Odessa, importante porto no mar Negro. Na cidade, segundo o governo ucraniano, morreram ao menos seis pessoas em ataques com mísseis.
TVs mostraram tanques que estariam invadindo o norte do país a partir de Belarus, sem confirmação independente. Por outro lado, Moscou falou que forças ucranianas "não estão resistindo a unidades russas", sem dizer onde. Também foi relatada a derrubada de cinco aviões e um helicóptero russos, o que Moscou nega.
Tudo começou com um pronunciamento às 5h45 (23h45 da quarta, 23, em Brasília), no qual Putin anunciou uma "operação militar especial" para "proteger a população do Donbass", região do vizinho na qual ele reconheceu áreas rebeldes pró-Rússia na segunda (21). Ele disse que quer trazer à justiça quem cometeu o que chamou de "genocídio" e "crimes" contra russos nas áreas, além de "desmilitarizar e desnazificar" a Ucrânia.
Há sinais claros de um ataque amplo, mas não se sabe se é uma invasão total nos termos colocados por Kiev e pelo Ocidente. Putin disse estar cumprindo o que havia prometido: enviar tropas para apoiar as autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk, e negou que irá ocupar território.
O governo em Kiev pensa diferente. "A invasão da Ucrânia começou", afirmou por sua vez o ministro do Interior ucraniano, Denis Monastirski, citando ataques com artilharia e mísseis. "É uma invasão total", disse seu colega chanceler, Dmitro Kuleba no Twitter. O país decretou lei marcial, fechou seu espaço aéreo.
O presidente Volodimir Zelenski divulgou vídeo afirmando que os russos atacaram pontos de fronteira e infraestrutura militar do país. "Fiquem calmos", disse, afirmando que o presidente Joe Biden prometeu apoio dos EUA.
"Por tudo o que estamos vendo até aqui, e é preciso mais clareza, parece mesmo ser uma invasão", disse por telefone um dos principais analistas militares russos, Ruslan Pukhov, diretor do Centro de Análise de Estratégias e Tecnologias, de Moscou.
Equipes da TV CNN as ouviram ao longe na capital Kiev e em Kharkiv, importante centro no leste do país. Sirenes antiaéreas começaram a soar na capital às 7h06 locais (2h06 em Brasília), mas até agora não houve relatos de bombardeio da cidade. O comando militar russo disse que não está mirando civis.
Segundo disse por telefone um morador de Rostov-do-Don à Folha, Mariupol está sob fogo também. A agência Reuters divulgou fotografia de tanques russos entrando na cidade, corroborando a ideia de invasão de território ucraniano.
A cidade portuária no mar Negro fica a 180 km da capital da região de Rostov e é um ponto importante perto da chamada linha de contato, a fronteira de 430 km entre os rebeldes pró-Rússia e as forças de Kiev. Segundo Kiev, morreram ao menos duas pessoas lá.
É incerto o que acontece lá: se os russos estão fazendo o que Putin anunciou, "desmilitarizar" a região em torno das ditas república rebeldes, ou se é o prenúncio de uma ocupação generalizada. Esta é a questão central que preocupa planejadores ocidentais desde a segunda.
Lá fora
Receba no seu email uma seleção semanal com o que de mais importante aconteceu no mundo; aberta para não assinantes.
Ao anunciar que iria enviar tropas quando a situação exigisse para apoiar o Donbass, Putin não deixou claro se falava das fronteiras atuais, estabelecidas após uma guerra civil que já matou 14 mil desde 2014, ou aquelas anteriores, das antigas províncias ucranianas de Donetsk e Lugansk.
O cenário desenhado até aqui é o de incapacitação das Forças Armadas ucranianas, em um grau semelhante ao maior ao imposto à Geórgia pelo mesmo motivo de aproximação com o Ocidente em 2008. restando saber até onde o Kremlin pretende ir. Os sinais não são auspiciosos para Kiev.
"As repúblicas do Donbass nos procuraram e pediram ajuda. O objetivo [da "operação militar especial] é proteger o povo do abuso e do genocídio a que ele vem sido submetido pelo regime de Kiev. Para isso, vamos buscar desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia, e levar à justiça aqueles que cometeram numerosos crimes sangrentos contra um povo pacífico, incluindo cidadãos russos", disse Putin.
É uma declaração que promete caçar membros do governo ucraniano. O Donbass é talvez 80% russófono e tem cerca de 4 milhões de pessoas nas áreas rebeldes. Desses, 800 mil têm passaporte de Moscou.
Nessa fala, o presidente russo delineou a justificativa da ação para seu público interno. A "desnazificação" a que ele se refere ressoa fortemente na Rússia, já que de fato há elementos nas Forças Armadas da Ucrânia com associações neonazistas —como o famoso Batalhão Azov, que usa insígnia da SS nazista. Os alemães lutaram contra os soviéticos pelo controle da Ucrânia na Segunda Guerra Mundial.
O presidente americano, Joe Biden, que desde janeiro fala em "invasão iminente" dos russos, afirmou que o país "será responsabilizado" pelos ataques. Até aqui, contudo, o líder do país que comanda a Otan, a aliança militar ocidental, só anunciou sanções econômicas e prometeu outras ainda mais duras em caso de ação armada de Putin.
A Ucrânia não é parte da Otan, então seus 30 membros não devem defendê-la, como ocorreria se fosse com qualquer um dos integrantes do clube. O desejo do governo pró-Ocidental que tomou o poder em 2014 era exatamente entrar na aliança, assim como na União Europeia.
Visando evitar a chegada do arcabouço ocidental à sua mais importante fronteira, assim como a da aliada ditadura da Belarus, Putin interveio na crise oito anos atrás anexando a Crimeia e fomentando a guerra civil que agora pretende resolver "manu militari" no leste do país.
Putin pediu para que a Ucrânia baixe as armas no leste e fez uma advertência sombria às potências estrangeiras. "Para qualquer um que considerar interferir de fora: se você o fizer, irá enfrentar consequências maiores do que qualquer uma que enfrentou na história. Todas as decisões relevantes foram tomadas, eu espero que você me ouça", afirmou.
São palavras de retórica incendiária, mas sempre é bom lembrar que no sábado passado (19), o autor dela comandou um grande exercício militar demonstrando capacidades de ataque nuclear por solo, ar e mar. Novamente: a Terceira Guerra Mundial não parece provável porque o próprio Biden já disse que na Otan não interviria militarmente, mas os riscos estão todos colocados.
A ação culmina quatro meses de tensão. Putin mobilizou cerca de 150 mil a 190 mil soldados em torno do país, segundo o Ocidente, e emitiu um ultimato para que a Otan pare de se expandir e que nunca absorva a Ucrânia, entre outros pontos. O russo reclama desde então que o Ocidente, que rejeitou as demandas, não ouviu ele falar sobre "linhas vermelhas".
Até aqui, as tropas mobilizadas davam credibilidade à ameaça russa. Nesta quinta, foram além disso. A Rússia fechou 12 aeroportos no sul do país e suspendeu os pregões de Bolsas de Valores.
O anúncio foi feito exatamente ao mesmo tempo que uma reunião emergencial do Conselho de Segurança da ONU debatia a crise. Na abertura da reunião, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, fez um pedido claro ao líder russo. "Se uma operação está sendo preparada, eu realmente digo do fundo do coração: impeça suas tropas de atacar a Ucrânia. Dê uma chance a paz. Muitas pessoas já morreram".
Mais cedo na quarta, Putin dissera que estava disposto a negociar uma solução diplomática para a crise com o Ocidente, desde que respeitados os "interesses e a segurança" de seu país. Para ele, "inegociáveis".
Do outro lado da fronteira, o Parlamento da Ucrânia aprovou nesta quarta-feira (23) uma declaração de estado de emergência válida para todo o país, exceto para as duas regiões no leste, onde já há uma medida do tipo em vigor desde 2014.
Segundo havia dito mais cedo Zelenski, um comediante sem experiência na política eleito de surpresa em 2019, seu país está cercado. "O povo ucraniano quer paz. O governo da Ucrânia quer paz e está fazendo tudo o que pode para alcançá-la", afirmou. (Via: Folhapress)
Acompanhe o Blog O Povo com a Notícia também nas redes sociais, através do Instagram e Facebook.
Blog: O Povo com a Notícia