A descoberta do furto de mais de 1,1 mil armas de fogo e de 3 mil munições que estavam em um depósito da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) da Polícia Civil de Pernambuco, no bairro de São José, área central do Recife, completou quatro anos sem punição para os acusados - incluindo quatro policiais.
O processo criminal ainda está em andamento no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), há meses na fase de alegações finais e sem previsão para publicação da sentença. Ao todo, há 19 réus (eram 20, mas um policial civil faleceu menos de um mês após ser preso, em 2021).
Os réus respondem por crimes como organização criminosa, comércio ilegal de armas de fogo, peculato, lavagem de dinheiro e corrupção ativa e passiva.
Dos quatro comissários da Polícia Civil, três estão aposentados e um continua na ativa. No final de dezembro de 2024, a Corregedoria da Secretaria de Defesa Social (SDS) concluiu uma investigação preliminar, que teve como base depoimentos e o relatório do inquérito da Polícia Civil.
Diante das provas, a Corregedoria vai instaurar um processo administrativo disciplinar em desfavor dos policiais - três poderão ter as aposentadorias cassadas, ao final da apuração. O outro poderá ser demitido.
"A subtração de armas de fogo, munições e apetrechos de uma unidade da Polícia Civil de Pernambuco trouxe repercussão bastante negativa, pois colocou em xeque a credibilidade não apenas da Polícia Civil, mas também da Secretaria de Defesa Social e do governo de Pernambuco para oferecer segurança à população pernambucana", disse trecho de relatório interno.
"Sobretudo porque a autoria da subtração de tais objetos, conforme resultante da investigação policial realizada, recaiu justamente sobre servidores públicos designados por zelar pela guarda e administração desse patrimônio público. Além disso, concretamente, contribuiu para o aumento da criminalidade tendo em vista a quantidade de armas de fogo postas à disposição de pessoas e grupos criminosos", continuou o trecho.
Desde o início, a defesa dos policiais civis nega as acusações.
QUEM SÃO OS POLICIAIS ACUSADOS?
1 - Cleidio Graf Gonçalves Torreiro (comissário aposentado)
Apontado pelos investigadores como "o grande mentor/articulador" do desvio de armas, munições e acessórios. Detinha acesso irrestrito à armaria da Core. "Sem qualquer justificativa, frequentava aos sábados e domingos a armaria. Manipulava planilhas com a inserção e supressão de dados. Utilizava intermediários na comercialização”, pontuou relatório da Polícia Civil.
2 - José Maria Sampaio Filho (comissário aposentado)
Foi reconhecido por uma testemunha por ter, em três momentos, "repassado grande quantidade de munição comercializada", que se destinou a uma facção criminosa.
3 - Josemar Alves dos Santos (comissário aposentado)
Investigação apontou que ele auxiliava Cleidio no desvio das armas, munições e acessórios, manipulando as informações em planilhas no setor administrativo.
4 - Edson Pereira da Silva (comissário na ativa)
Segundo as investigações, "faltou com dever funcional realizando pesquisas no sistema integrado da Polícia Civil para integrantes da organização criminosa, justamente de um desafeto que eles estavam procurando para matar".
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POLICIAL DESCOBRIU SUMIÇO DE ARMAS
O sumiço das armas foi descoberto por um comissário da Polícia Civil, responsável pela manutenção e conserto delas, em 5 de janeiro de 2021, após ele voltar de férias. Na ocasião, um inquérito foi instaurado e uma auditoria foi realizada pra identificar o número exato do desvio.
Em agosto do mesmo ano, após uma operação que prendeu os policiais, a Polícia Civil fez uma coletiva de imprensa e anunciou o número de 326 armas subtraídas.
Mas um documento assinado pelo delegado Adelson Barbosa em fevereiro de 2021 e enviado à Polícia Federal revelou que 1.131 armas - entre metralhadoras, pistolas e revólveres - desapareceram da Core. A revelação foi feita pelo JC.
Em abril de 2022, durante audiência de instrução e julgamento dos réus, o mesmo delegado prestou depoimento por videoconferência e, questionado pelo Ministério Público, confirmou que mais de 1 mil armas foram furtadas do depósito.
No depoimento, o delegado disse ainda que foi repassada à Polícia Federal a lista das armas subtraídas para que os dados fossem incluídos no Sinarm (Sistema Nacional de Armas), do Ministério da Justiça.
Em 9 de novembro de 2022, a Justiça concedeu a liberdade provisória de 14 acusados sob a alegação de que houve excesso de cumprimento de prazo para que o Ministério Público, junto à polícia, apresentasse os laudos de perícias realizadas nos aparelhos celulares dos réus.
FALHAS DE SEGURANÇA
A perícia não encontrou sinais de arrombamento no depósito onde os materiais estavam guardados. Mas não havia câmeras na área interna. Havia apenas uma do lado de fora, apontada para a porta de entrada, mas sem funcionar 24 horas por dia.
Entre as armas desviadas, uma parte pertencia à Guarda Municipal de Ipojuca, no Grande Recife. Elas estavam guardadas na Core enquanto os profissionais passavam por treinamento. As pistolas haviam sido doadas pela Polícia Rodoviária Federal.
Em depoimento à polícia, em janeiro de 2021, um detento revelou que, anos antes, havia se dirigido à Core para comprar munições destinadas a uma facção criminosa - confirmando que a prática ilegal não era recente na unidade policial.
A polícia não revela oficialmente quantas armas foram recuperadas até hoje.
"BLACK FRIDAY" DE ARMAS DE FOGO
Outros depoimentos indicaram a suposta ligação de comissários da Core com criminosos. A venda de munições e carregadores de pistolas seria prática comum e antiga. Uma caixa com 50 munições era vendida por R$ 350, revelam depoimentos.
Interceptações telefônicas apontaram que armas desviadas foram comercializadas para facções criminosas por valores que variavam de R$ 6,3 mil a 6,5 mil, cada uma. Já as submetralhadoras custavam R$ 22 mil nesse comércio ilegal.
Integrantes ou pessoas ligadas a pelo menos duas organizações criminosas - incluindo detentos do Estado - foram identificados e viraram réus.
No inquérito policial, os delegados Cláudio Castro e Guilherme Caraciolo classificaram o esquema como "Black Friday" de armas.
"Em virtude da falta de controle e um software onde todo o acervo bélico da polícia pudesse ser relacionado, policiais que trabalhavam diretamente com o acervo, se aproveitaram da facilidade de acesso e falhas na segurança, e passaram a desviar armas, munições e acessórios, revendendo esse material de maneira indiscriminada para todo e qualquer tipo de criminoso, integrante ou não de organizações criminosas", descreveram no relatório.
"Uma verdadeira 'Black Friday' de armas, munições e acessórios. Houve criminoso que comprou e houve criminoso que intermediou a venda, e assim os valores da comercialização foram sendo majorados e se disseminando a oferta e a procura", disseram. (Via: Ronda Jc)