O debate sobre biografias não autorizadas produziu um racha no meio artístico; neste domingo, Caetano Veloso critica duramente Roberto Carlos, que mudou seu tom sobre o tema, depois de ser aconselhado por um gestor de crises de imagem; “Bem, o mínimo que posso dizer é que justamente meu desprezo pela ideia de cuidar de minha imagem como quem a programa para obter aprovação é o mesmo que me leva a tender para a liberação das biografias e a olhar com desconfiança para o conselho do especialista”, diz o músico baiano.
Leia abaixo seu artigo: Código Felizmente estamos todos sofrendo por ter ousado abrir o diálogo. Apesar de toda a tensão, continuo achando que estamos progredindo É incrível que se queira dar agora a impressão de que os artistas reunidos na associação Procure Saber tenham mudado de posição quanto à questão das biografias. Se é para dizer que devemos equilibrar os dois princípios constitucionais — o do direito de livre expressão (na verdade o de informação) e o direito à privacidade —, isso já foi feito por Paula Lavigne em entrevista ao “Estadão” e em aparição no programa “Saia Justa”.
O artigo de Gil que saiu no GLOBO ao lado de uma entrevista de Joaquim Barbosa (em que a edição enfatizava uma oposição que, se lidos os dois textos, era mais uma complementaridade na busca do fiel da balança) já apontava para o amadurecimento, entre nós, da discussão sobre o assunto. Eu próprio, em minhas afirmações mais definidoras, disse que os artigos 20 e 21 do Código Civil não eram bons e mereciam uma reescritura. Atribuí a Roberto Carlos o fato de ter sido obrigado a chegar até ali. Eu, que sempre me posicionara contra a exigência de aprovação prévia para biografias.
Hoje (sexta) leio que um administrador de crises sugere que a Procure Saber seja desfeito, já que a mácula de atitude de censores pode sumir das imagens dos artistas, que são mais amados por grandes feitos ao longo de muitos anos do que odiados por uma campanha inglória, mas não da de uma associação. Bem, o mínimo que posso dizer é que justamente meu desprezo pela ideia de cuidar de minha imagem como quem a programa para obter aprovação é o mesmo que me leva a tender para a liberação das biografias e a olhar com desconfiança para o conselho do especialista. O que me interessa nessa confusão toda é o avanço que nossa sociedade pode ter ao deparar-se com esse quase-impasse.
O pequeno artigo de Ruy Castro (não apenas um biógrafo ilustre como o pioneiro na guerra pública contra a necessidade de autorização) na “Folha” de hoje mostra, em termos simples, a inutilidade do novo discurso moderado. Mais veemente do que ele, Jânio de Freitas, um jornalista de histórico glorioso, viu na recente virada estratégica um desrespeito pior aos princípios democráticos do que na radicalidade dos primeiros pronunciamentos: ambos, Castro e Freitas, veem sobretudo dissimulação.
Para mim, ressalta o fato de que não há novidade conceitual nenhuma, como já disse no primeiro parágrafo. Pode-se dizer que Roberto Carlos esteja se dirigindo ao público num tom de quem admite que o tema seja discutido, não como quem veta a hipótese de qualquer relativização da obrigatoriedade de autorização prévia. Mas isso porque Roberto era tido e sabido como o inimigo número um da invasão da privacidade. É notório que não era o meu caso, mas também ficou claro não ser o de Gil, Paulinha ou Djavan, por exemplo.
A defesa da intimidade é assunto palpitante no mundo atual. Não apenas a facilidade de entrar em correspondência eletrônica exibida pelas novas tecnologias, mas também casos como o esforço inglês de conter os terríveis abusos a que chegou sua imprensa tradicionalmente bisbilhoteira. Claro que o princípios luminosos da liberdade de expressão e do direito à informação reagiriam, como reagiram e reagirão, à ameaça que esse mundo novo apresenta.
A discussão está longe de ter chegado a um termo. Não seria a mera retirada dos dois artigos do Código Civil que daria a última palavra sobre o assunto entre nós. Felizmente estamos todos sofrendo por ter ousado abrir o diálogo. O mero reconhecimento da importância do tema nos deveria tornar tolerantes com os vacilos, as imprecisões, as atitudes suspeitas de quem quer que tente tratar do assunto. Mas, se o tom unilateral que tomou a imprensa me causou alguma revolta, as notas e matérias que deixam entrever manobras suspeitas provocam considerável mal-estar. O artigo de Fernanda Torres na “Folha” diz o que eu gostaria de dizer, se minha cabeça fosse centrada como a dela. Ela diz: “Sou a favor da liberação”. Mas: “Por outro lado, alguns limites merecem atenção”. E, depois de afirmar não ser justo que um criminoso lucre com o crime que cometeu, conclui que o parágrafo que se queria adicionar ao artigo 20 demanda revisão. Já há propostas de mudança nisso.
A coisa vai andar. Luta iniciada pel Procure Saber. Kakay é advogado de RC, não fala oficialmente pela associação. E RC só apareceu agora, quando da mudança de tom. Apanhamos muito da mídia e das redes, ele vem de Rei. É o normal da nossa vida. Chico era o mais próximo da posição dele; eu, o mais distante. De minha parte, apesar de toda a tensão, continuo achando que estamos progredindo. Assunto global quente, o Brasil não pode tratar tolamente. (Brasil247)
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