O volume de munições compradas no
Brasil cresceu na gestão Jair Bolsonaro (sem partido). De janeiro a maio deste
ano, houve alta de 24% na venda de cartuchos, na comparação com o mesmo período
de 2018, último ano da gestão Michel Temer (MDB).Foram compradas 81,8 milhões
de unidades em 2020.
O número, dois anos antes, foi de 66 milhões de
projéteis. Em relação a igual período de 2019, já no governo Bolsonaro, o
crescimento foi de 18,8%. Os dados foram obtidos pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação). As vendas
chegaram a atingir patamares ainda maiores em grupos específicos da população.
A indústria passou a vender 46,1% mais nos cinco primeiro meses deste ano para
lojas de armas, em comparação com 2018. As lojas, por sua vez, aumentaram a venda
em 99,4% no mesmo período.
O crescimento do número de munições foi puxado principalmente por três
grupos: lojas de armas; entidades de tiro desportivo e atiradores; e caçadores
e colecionadores. Somente de janeiro a maio deste ano, foram 57,7 milhões de
munições que saíram da indústria e foram para esses perfis. "A indústria
também ganhou porque aumentou o faturamento. As empresas brasileiras dominam
mais 99% do mercado no país ", afirmou Ivan Marques, membro do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública. Durante o atual governo, 267
milhões de munições -mais de uma bala por habitante- foram colocadas em
circulação. Procurado, o governo federal não se manifestou. Os estados que
lideram o ranking de compra são Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina,
segundo dados do Sistema de Controle de Venda e Estoque de Munições (Sicovem),
do Exército Brasileiro, encaminhados ao fórum.
Os únicos grupos que apresentaram queda foram empresas de segurança
privada e integrantes das forças de segurança, como policiais e militares, que
podem comprar munições como pessoa física. A queda na venda pode ser explicada,
nesses segmentos, pelo período de isolamento social imposto pela pandemia do
novo coronavírus. Para especialistas, a política armamentista de Bolsonaro é o fator
principal para a alta desses números. Desde quando tomou posse, o presidente
passou a publicar uma série de normas infralegais que não dependem da aprovação
do Congresso. Foram ao menos oito decretos e duas portarias que ampliam o
acesso da população a armas e munições.
"Vivemos uma pandemia do novo coronavírus, crise econômica, as
pessoas têm perdido o emprego e, ainda assim, há o aumento de venda de munição.
A única variável dessa equação favorável ao aumento de vendas é a facilidade de
acesso por causa dos decretos e das portarias", afirmou Marques. O
crescimento tem se dado de duas formas: pelo aumento da quantidade de balas que
podem ser adquiridas e também pela flexibilização da posse e do porte, que
aumentou a quantidade de armas em circulação e, consequentemente, aqueceu o
mercado de munições. Antes de um dos decretos, o atirador desportivo, por
exemplo, poderia ter até 16 armas de fogo. Para atingir essa quantidade, no
entanto, precisava estar no nível três de sua categoria. Agora, todos os níveis
de atiradores passam a ter um limite total de 60 armas, sendo 30 de uso
permitido e outras 30 armas de uso restrito.
Outra mudança foi na quantidade de munições. O atirador nível dois poderia
ter anualmente até 40 mil cartuchos antes de uma das mudanças da gestão
Bolsonaro. Agora, poderá atingir até 180 mil por ano. As medidas adotadas
ampliam o acesso da população a armas e munições e, por outro lado, enfraquecem
os mecanismos de controle e fiscalização de artigos bélicos. Uma delas, do
Ministério da Defesa, revogou três normas que melhoravam o rastreamento de
armas e munições no país.
A regra era uma exigência do MPF (Ministério Público Federal) e do TCU
(Tribunal de Contas da União), que encaminharam auditorias ao Exército
informando sobre a fragilidade do sistema de controle. "O governo revogou
sem nenhuma justificativa técnica, essa situação é preocupante", afirmou
Natália Pollachi, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz. Houve também
crescimento do número de registros de armas no Brasil. Foram 54,4 mil novos
registros de armas feitos na Polícia Federal para defesa pessoal em 2019.
Representa crescimento de 97,5% em relação a 2018, quando houve 27,5 mil.
O número de armas na mão dos caçadores e atiradores também se multiplicou
no primeiro ano do governo Bolsonaro. Enquanto em 2018 havia 350,7 mil armas
registradas por esse grupo no Exército, agora o total é de 433,2 mil, um
crescimento de 23,5%, segundo dados do Instituto Sou da Paz.
Para Jacqueline Sinhoretto, professora da UFSCar (Universidade Federal de
São Carlos) e membro do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), a
redução do controle e o aumento de artigos bélicos em circulação podem ampliar
a criminalidade. A pesquisadora disse que o aumento de homicídios em 2019 já
pode ser reflexo da política armamentista. "Isso certamente se relaciona
com o relaxamento da política, que favorece maior circulação de arma. Nos
últimos anos, diversos fatores foram importantes para reduzir o índice de
crescimento dos crimes, como o controle", afirmou.
Marques, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que barrar essa
política armamentista é importante tendo em vista também a realidade nacional.
"No Brasil, se mata mais de 70% das vezes com arma de fogo, enquanto em
outros lugares o percentual é de 40%", disse. Outro fator que tem
preocupado especialistas é o fato de a maior circulação de armas no mercado
legal abastecer o mercado ilegal.
"A gente tem no imaginário que as armas do crime vêm da fronteira, mas,
quando as rastreamos por número de série, percebemos que muitas foram armas de
pessoas comuns, atiradores, caçadores que foram parar no mercado ilegal",
disse Pollachi, do Sou da Paz.
Lucas Silveira, presidente do Instituto Defesa e instrutor-chefe da Academia
Brasileira de Armas, enxerga de forma positiva o crescimento. Ele afirma que a
demanda por mais armas e munições vem desde 2010.
Para ele, a campanha de Bolsonaro, pautada em armas, ajudou a impulsionar
ainda mais as vendas. "Funcionou como uma espécie de marketing, mas tenho
convicção que teríamos resultados parecidos independentemente disso",
destacou.
Silveira diz que têm crescido a quantidade de pessoas em treinamento para saber
usar armas. "Elas estão cada vez mais capacitadas a enfrentar
ameaças." Para tentar barrar o plano armamentista de Bolsonaro,
parlamentares se articulam no Congresso e recorrem à Justiça com o objetivo de
revogar normas presidenciais que facilitam o armamento ou afrouxam regras que
beneficiam o setor bélico.
Existem ao menos 73 PDLs (projetos de decretos legislativos) na Câmara e no
Senado, 8 ações no STF (Supremo Tribunal Federal) e, ao menos, 4 na Justiça
Federal.
Em maio deste ano, a Justiça Federal em São Paulo já havia suspendido a
portaria interministerial 1.634, que triplicou de 200 para 600 o limite de
compra de cartuchos para quem tem arma de fogo registrada.
A norma foi assinada pelos ministros da Defesa, Fernando Azevedo, e o então
ministro da Justiça, Sergio Moro. Na decisão que revogou a portaria, a Justiça
apontou para possível fraude relacionada à publicação da norma.
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