Na primeira conversa entre os líderes das maiores economias do mundo sobre a guerra na Ucrânia, o chinês Xi Jinping disse ao americano Joe Biden que a crise "é algo que nós não queremos ver".
Aliado de Vladimir Putin, Xi está sob pressão de Washington para não apoiar financeiramente ou militarmente o esfoço de guerra do russo, cujo país foi submetido a um regime duríssimo de sanções que limitaram o acesso ao sistema mundial de pagamentos e às suas próprias reservas cambiais.
A conversa de Xi e Biden, feita virtualmente, durou quase duas horas na manhã desta sexta (18), noite em Pequim. Segundo a chancelaria chinesa, o líder disse que os EUA e a China têm responsabilidade conjunta para manter a paz mundial.
A Casa Branca não comentou a reunião. Até aqui, autoridades falavam abertamente que Biden cobraria Xi acerca de sua posição neutra na crise, sem criticar Putin.
Ambos os países vêm em rota de conflito desde 2017, quando o governo de Donald Trump deu a primeira salva da Guerra Fria 2.0, com a adoção de barreiras tarifárias contra produtos chineses, vistos como predatórios da economia americana.
A realidade é mais complexa, e a ascensão chinesa desde o estabelecimento de relações entre a ditadura comunista e os EUA em 1979 é um produto da simbiose econômica com o Ocidente. Os investimentos cruzados e a interdependência dão nuances à competição entre ambos os lados que não existia, por exemplo, na Guerra Fria original entre americanos e soviéticos.
Mas ela se espraiou por quase todos os campos, e Biden deixou claro ao assumir que iria priorizar o enfrentamento com a China, potência emergente, um padrão clássico que remete à antiguidade grega, quando Atenas desafiou Esparta no século 5º antes de Cristo.
Só que Putin atravessou os planos americanos com sua guerra na Ucrânia, que ameaça ultrapassar fronteiras e envolver países da Otan, a aliança militar criada pelos EUA em 1949 para conter a União Soviética.
Ao longo da preparação para a guerra, Xi demonstrou apoio a Putin e chegou a dizer que ambos os países deveriam se unir contra as pressões do Ocidente. Vinte dias antes da invasão, em 4 de fevereiro, o russo visitou o chinês na abertura dos Jogos de Inverno de Pequim e selou um pacto de "amizade eterna".
Não é uma aliança militar, que colocaria todo o desenho das sanções ocidentais em outro esquadro, mas uma carta de intenções. Desde então, Xi vem sendo questionado no Ocidente. Os EUA chegaram a dizer que haveria "sérias consequências" caso o apoio que dizem ter identificado em Pequim a Moscou se concretizasse em armas ou dinheiro.
China e Rússia deram de ombros. Para Xi, a guerra trouxe duas certezas. Primeiro, de como poderá ser a reação ocidental caso resolva levar à força o plano anunciado de reincorporar a ilha autônoma de Taiwan à ditadura continental, e talvez se preparar para tal. Os EUA e seus aliados no entorno chinês já até advertiram Pequim sobre isso.
Segundo, que qualquer resultado que não seja uma derrota humilhante e eventual deposição de Putin será bom para a China. Uma vitória militar, retumbante ou mediana, fará o russo consolidar seu poder talvez de forma ditatorial, mas ele permanecerá isolado e dependente da China, além de manter a percepção de inocuidade das pressões ocidentais .