Por Miriam Leitão – O Globo
Na disputa entre Lula e Bolsonaro não há dois extremistas. Há um: Bolsonaro. O centro deve procurar seu espaço, seu programa, seu candidato, ou seus candidatos, porque o país precisa de alternativa e renovação.
Mas não se deve equiparar o que jamais teve medida de
comparação. O ex-presidente Lula governou o Brasil por oito anos e influenciou
o governo por outros cinco. Não faz sentido apresentá-lo como se fosse a
imagem, na outra ponta, de uma pessoa como o presidente Jair Bolsonaro.
O PT jogou o jogo democrático, Bolsonaro faz a apologia da
ditadura. A frase que abre esse parágrafo eu disse em 2018, em comentários e
colunas, no segundo turno das últimas eleições. Era a conclusão da análise dos
fatos e das palavras dos grupos políticos que disputavam a eleição.
Fui hostilizada por dirigentes petistas do Rio dentro de um
avião, processei por difamação um servidor do Planalto no governo Dilma. Sou
vítima de constantes fake news e agressões do gabinete do ódio do governo
Bolsonaro.
Já fui criticada em público pelo ex-presidente Lula mais de
uma vez e fui vítima de mentiras sórdidas ditas pelo presidente Jair Bolsonaro.
Poderia com base nisso afirmar que os dois são iguais? Objetivamente, não.
Seria falso. Posso concluir que ambos não gostam de mim, mas isso é o de menos.
Não é uma questão pessoal.
Em dois anos e quatro meses, Bolsonaro superou as piores
expectativas. Na pandemia, ele mostrou seu lado mais perverso. A lista é longa.
Deboche diante do sofrimento alheio, disseminação do vírus, criação de
conflitos, autoritarismo. O país chegou ao número inaceitável de 400 mil mortos
com um presidente negacionista ameaçando usar as Forças Armadas contra a
democracia. Em Manaus, no último fim de semana, ele repetiu que poderia lançar
os militares contra as ordens dos governadores. “Se eu decretar, eles vão
cumprir”. Esse clima de beligerante intimidação prova, diz um general, uma
“necessidade doentia de demonstrar ter poder”. Segundo essa fonte, “cada vez
que se declara detentor dessa suposta força, demonstra na verdade não tê-la”.
Seja qual for a análise da mente distorcida do presidente, o fato é que ele
ameaça o país com a ruptura institucional no meio de um doloroso sofrimento
coletivo.
O ex-presidente Lula teve uma política ambiental de
excelentes resultados na gestão da ministra Marina Silva e do ministro Carlos
Minc. O país viu avanços na inclusão de pobres e negros. Na economia, houve
erros e acertos.
No campo institucional, escolheu ministros do Supremo
qualificados e nomeou procuradores-gerais da lista tríplice. Bolsonaro quer
devastar a floresta, capturar as instituições e seu governo exibe preconceito
como se fosse natural.
Bolsonaro faz ataques sistemáticos aos veículos de imprensa e
aos jornalistas. Lula ameaçou impor o que ele chamou de “regulação da mídia”,
mas recuou diante da resistência dos órgãos de comunicação. Ameaças nunca devem
ser subestimadas, mas as instituições sabem lidar com um governante que tenha
um mau projeto. Mais difícil é se defender de um inimigo da democracia como
Bolsonaro.
As decisões recentes do Supremo Tribunal Federal tiraram as penas
que recaíram sobre Lula e ele tem dito que foi inocentado. Tecnicamente sim,
porque não é mais um condenado pela Justiça. O PT defende a tese de que foi
tudo uma conspiração contra o partido. Falta explicar muita coisa, mas
principalmente a materialidade do dinheiro que foi devolvido por corruptos e
corruptores ao poder público.
Bolsonaro usou o sentimento anticorrupção sem o menor mérito,
como se vê na sucessão de rachadinhas, funcionários fantasmas, pagamentos em
dinheiro vivo e transações imobiliárias que rondam a família. Isso sem falar
nas relações estreitas com personagens obscuros, como o miliciano Adriano da
Nóbrega.
Partidos de outras tendências políticas devem trabalhar para
oferecer alternativas ao eleitor brasileiro, porque a democracia é feita da
diversidade de ideias e de propostas. O erro que não se pode cometer é dizer
que essa é a forma de fugir de dois extremos. Isso fere os fatos. Não existe
uma extrema-esquerda no país, mas existe Bolsonaro, que é de extrema-direita.
No governo, ele multiplicou as mortes da pandemia e sempre deixa claro que se
puder cancela a democracia.
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