“A
mentira, o exagero e a contradição são apartidários. Todos os presidentes
brasileiros têm usado esses recursos sem o menor pudor", afirma o repórter
do jornal O Globo Chico Otavio, um dos autores do recém-lançado "Você Foi
Enganado".
Escrito por ele e por Cristina Tardáguila, fundadora da
Agência Lupa, especializada em checagem de dados, o livro revive histórias e
declarações inverídicas de um século atrás, demonstrando que as fake news são
uma praga antiga.
Em 1922, a equipe do marechal Hermes da Fonseca, que havia sido presidente do Brasil entre 1910 e 1914, produziu um documento falso contra o adversário político Artur Bernardes. Apesar da farsa, Bernardes venceu as eleições seguintes.
"Você Foi Enganado", no entanto, se concentra em
mentiras da política brasileira nas últimas quatro décadas, a começar pela
gestão do general João Baptista Figueiredo.
Em abril de 1981, uma bomba explodiu dentro de um carro no
estacionamento do centro de convenções Riocentro, no Rio, enquanto ocorria um
show.
No inquérito claramente distorcido, o coronel Job Sant`Anna
apontou grupos de esquerda como responsáveis pelo atentado, versão endossada
pelo governo federal.
Só na reabertura do caso pelo Exército, em 1999, ficou
provado que os culpados pela explosão eram um sargento e um capitão, ambos
agentes do DOI (Destacamento de Operações de Informação). O ataque frustrado
era resultado da insatisfação de setores militares com o processo de transição
para a democracia.
As grandes mentiras do Poder Executivo abordadas no livro
foram escolhidas após consultas a historiadores, cientistas políticos e
jornalistas especializados no tema. Essa foi uma das etapas iniciais do
trabalho, que se estendeu de setembro de 2017 a abril de 2018.
O confisco da poupança no governo de Fernando Collor de Mello
está no centro de um dos capítulos. Em dezembro de 1989, a cinco dias do
segundo turno da eleição, um jornalista perguntou a ele: "O senhor garante
aos poupadores que não tocaria jamais na poupança?". Collor foi assertivo:
"Sem dúvida". Não era a primeira vez que negava essa possibilidade.
Eleito Collor, a ministra Zélia Cardoso de Mello anunciou,
entre outras medidas, o bloqueio por 18 meses dos depósitos em caderneta de
poupança que excedessem 50 mil cruzados novos. A população ficou atônita. Em
Porto Alegre, um major reformado matou a mulher e a cunhada e se suicidou. Um
bilhete deixado por ele dizia que o governo o levara à falência.
"Tentamos mostrar o impacto das mentiras dos presidentes
sobre o cidadão comum, como o fechamento das lojas de R$ 1,99 durante o governo
Fernando Henrique Cardoso", afirma Tardáguila.
Na campanha para a reeleição, em 1998, FHC disse mais de uma
vez que não desvalorizaria o real. Foi, porém, o que determinou no início do
segundo mandato, prejudicando vários setores da economia, como o comércio de R$
1,99.
"Se ganharmos a eleição, tenho certeza de que parte da
corrupção irá desaparecer já no primeiro semestre", disse Lula em 2002.
Como o livro descreve, denúncias de má gestão acompanharam os dois mandatos do
petista, do escândalo do mensalão à Operação Lava Jato.
Na sequência, "Você Foi Enganado" relata as
motivações e as consequências das inverdades anunciadas por Dilma Rousseff e
Michel Temer.
Abordando com a mesma metodologia militares, tucanos e
petistas, entre outras tintas ideológicas, o livro mantém a imparcialidade.
"Ninguém é mentiroso contumaz. A mentira e a verdade
oscilam entre as pessoas. O fato de um presidente ter mentido aqui e acolá não
significa que seu governo não possa ter tido boas realizações", afirma
Tardáguila.
Segundo a autora, o combate às notícias falsas não deve se
restringir aos veículos jornalísticos.
O poder público no Brasil precisa oferecer bases de dados
confiáveis e acessíveis. Além disso, de acordo com ela, os currículos escolares
precisam contemplar a cidadania digital para proteger os internautas das
armadilhas das informações falsas.
Sem essas três frentes, a enganação vai continuar a correr
solta, cada vez mais ligeira.
Você Foi Enganado - Mentiras, Exageros e Contradições dos
Últimos Presidentes do Brasil
Chico Otavio e Cristina Tardáguila. Ed. Intrínseca. 288
páginas. R$ 40. (Via: Folhapress)
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