Que o Brasil está rachado, não
resta dúvida. Mas não adianta só pedir a Deus: também as "lideranças
políticas têm a responsabilidade de colaborar para a convivência respeitosa
entre as pessoas, especialmente neste período eleitoral", diz à Folha de
S.Paulo o cardeal Sergio da Rocha, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil).
"A discussão de ideias políticas não pode ser motivo para agressões", segundo o cardeal, que fala num momento em que quebra-paus entre simpatizantes de Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) multiplicam país afora.
Os relatos vão de igrejas pichadas (um templo da Universal foi rabiscado
com os dizeres "Hitler = Bolsonaro" após Edir Macedo apoiar o capitão
reformado) a espancamentos e até assassinatos (sobretudo de eleitores
associados à esquerda, como um mestre capoeirista e uma travesti, dois casos
ainda sob investigação).
Rocha está à frente do organismo que reúne 400 bispos da maior religião
brasileira, a católica (56% da população). São o alto escalão de um
clero, por assim dizer, tão dividido quanto o resto do país, com vários padres
usando missas e redes sociais para declarar sua predileção eleitoral. Caso
do monsenhor Sérgio Tani, presidente do tribunal eclesiástico da Arquidiocese
de São Paulo (que julga, por exemplo, pedidos para declarar nulo um matrimônio).
Ele já reproduziu textos antipetistas, como este, após Haddad e Manuela
D'Ávila (PCdoB), sua vice, participarem de uma missa no feriado de Nossa
Senhora Aparecida: "Bolsonaro começou com a tortura, fez o Haddad e a Manu
assistirem [sic] missa". Seguia o emote de uma carinha chorando de rir.
Já no texto "Votar com Lucidez", reproduzido no site da regional
sul da CNBB, dom Reginaldo Andrietta, da Diocese de Jales (SP), fala sobre as
"escandalosas posturas alienadas de muitos cristãos e as adesões a um
candidato à Presidência que dissemina violência, ódio, racismo, homofobia e
preconceito contra mulheres e pobres". Uma alusão não nominal a Bolsonaro.
Na quinta (25), O Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco notificou dom
Limacêdo Antônio da Silva, o bispo auxiliar da arquidiocese de Olinda e Recife.
A corte entendeu que ele estava "fazendo apologia a certa
candidatura" e, assim, "induzindo os fiéis". Nenhum candidato é
citado na ação.
A assessoria da arquidiocese afirmou que, ao pregar, o religioso orienta
eleitores a se basear no que diz o Evangelho em relação aos direitos humanos e
à não-violência. "É importante recordar que, segundo as normas da Igreja,
a militância político-partidária cabe aos leigos e leigas, não ao clero",
diz o líder da CNBB.
Ele próprio virou alvo da fúria eleitoral, após declarar em fevereiro que
a entidade ficaria ao lado de candidatos que promovam a paz, e "não
aqueles que promovam ainda mais a violência". Simpatizantes de Bolsonaro
viram uma indireta ao capitão reformado.
O cardeal lembra que, na ocasião, a CNBB esclareceu que "aquela
fala não se referia a um ou outro candidato em particular". O organismo,
segundo ele, "não tem se pronunciado sobre candidatos ou governantes, mas
sobre a realidade vivida no país. Não cabe à Igreja substituir os candidatos ou
os eleitores".
Episódios afins fizeram a cúpula da CNBB entrar na mira de militantes
católicos conservadores. O mais barulhento deles, o youtuber paranaense
Bernardo Pires Küster, disse à Folha de S.Paulo em maio que o cardeal ocupa na
entidade um cargo de "honra, como a rainha da Inglaterra", e é no
mínimo "permissivo" com o esquerdismo na instituição.
"Procuro respeitar críticas respeitosas e refletir a partir delas,
pois podemos aprender com quem pensa diferente", afirma Sergio da Rocha.
"Ofensas ou críticas destrutivas, especialmente de caráter pessoal,
respondo com o silêncio e a oração, como tem nos ensinado o papa
Francisco." A associação da Igreja Católica brasileira ao comunismo,
para ele, está fora de tom.
"Atribuir certos rótulos à Igreja só pode ser fruto de
desconhecimento. É preciso ter cuidado para não distorcer o que a CNBB diz e
para não atribuir ao conjunto da Igreja o posicionamento de uma pessoa ou
grupo. É importante redobrar o cuidado na divulgação de posicionamentos
atribuídos à CNBB, especialmente nas redes sociais, pois distorcer é uma forma
de fake news, o que tende a provocar polêmicas ofensivas", afirma.
Na quarta (24), o bispado nacional emitiu nota exortando os brasileiros a
deixar de lado "armas de ódio e de vingança que têm gerado um clima de
violência, estimulado por notícias falsas, discursos e posturas radicais, que
colocam em risco as bases democráticas da sociedade brasileira".
"Toda atitude que incita à divisão, à discriminação, à intolerância e
à violência, deve ser superada", diz o texto assinado pela alta cúpula da
CNBB. Dela faz parte dom Murilo Krieger, que nesta semana é o presidente em
exercício da entidade (o cardeal Sergio estava em Roma para uma conferência com
o pontífice).
Na sexta (26), ele comentou a nota divulgada a cinco dias do domingo em
que o Brasil decidirá quem será o próximo presidente. "Infelizmente, este
segundo turno tem se marcado por divisão entre pessoas da mesma família,
amigos, por polarizações. Estamos mostrando que as eleições passarão, e,
qualquer que for o candidato eleito, o Brasil terá que aprender a conviver com
ele e nós também, como Igreja."
A parcela católica do eleitorado não dá maioria ao petista Haddad, mas lhe
é mais simpática do que o segundo maior bloco religioso do país, os
evangélicos. Segundo pesquisa Datafolha divulgada na quinta (25), em uma
semana, o desempenho de Bolsonaro entre católicos encolheu de 54% para 51%. Já
Haddad subiu de 46% para 49% no grupo.
Diz dom Murilo: "A nossa finalidade é esta: servir à Igreja, não
criar paixões, não acentuar diferenças de distâncias". (Via: Folhapress)
Blog: O Povo com a Notícia