Em cinco anos de operação, a subestação que pegou fogo em Macapá na semana passada não recebeu uma única fiscalização presencial da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), apesar de os órgãos de controle do sistema elétrico terem conhecimento dos problemas da unidade.
O incêndio, no último dia 3, deixou 90% da população do Amapá no escuro. Onze dias depois, a maior parte do estado ainda vive os transtornos, e o governo prevê o restabelecimento de 100% do abastecimento só no fim da semana que vem.
A subestação que deu problema começou a ser operada em 2015 pela Linhas de Macapá Transmissora de Energia (LMTE), que tem outras três na Região Norte. Em cinco anos, fiscais da Aneel só estiveram pessoalmente, por duas vezes, em uma delas, a subestação de Oriximiná, no Pará.
Se tivessem visitado a de Amapá poderiam ter verificado in loco que um dos três grandes transformadores estava parado. O equipamento, que deveria estar disponível para substituir um dos dois que operavam no dia do incêndio, está em manutenção desde 2019.
Monitoramento de dados
Documentos do Operador Nacional do Sistema (ONS) revelados pelo Jornal Nacional, da TV Globo, mostram que a previsão de conclusão do conserto vem sendo adiada sucessivamente desde o primeiro semestre, deixando a subestação sem plano de emergência há quase um ano. O prazo já foi maio, junho e setembro. No último dia 6, três dias após o incêndio, a LMTE deu ao ONS novo prazo: maio de 2021.
Relatórios revelados pelo jornal Valor Econômico mostram que a Aneel e o Ministério de Minas e Energia também foram informados de que a subestação operava no limite da capacidade há dois anos e não religaria rapidamente sem o terceiro transformador. Procurado, o ONS não se pronunciou. A Aneel alegou, em nota, que a subestação não atendia aos critérios que definem a necessidade de um acompanhamento in loco das infraestruturas de transmissão de energia.
A lei que instituiu a Aneel em 1996 determina que cabe à agência “regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica”. No segmento da transmissão , é responsabilidade dela monitorar 1.418 linhas e 409 subestações no país, mas isso é feito por meio de indicadores eletrônicos.
O acompanhamento é dividido em três fases. Na primeira, diz a Aneel, é utilizada “inteligência analítica” para identificar indícios de prestação inadequada dos serviços concedidos. Só se a análise apontar sinais de problemas é que a agência parte para uma fiscalização presencial, em que são pactuados os chamados Planos de Resultados, com ações e metas estabelecidas. Entre julho de 2019 e junho de 2020, a Aneel selecionou apenas 71 instalações para Planos de Resultados. A subestação de Macapá nunca foi selecionada.
A Aneel disse que esse modelo de acompanhamento está alinhado às “melhores práticas nacionais e internacionais”. E informou que a subestação de Macapá “não foi selecionada para ter Plano de Resultados até este ano em função da pouca quantidade de desligamentos no passado”. A agência argumentou ainda que “apenas em 2020 houve desligamentos com corte de carga” desde 2015.
Segundo os documentos exibidos pelo JN, o ONS relatou uma interrupção na subestação de Macapá em 17 de julho, que considerou um evento grave. Mas não foram tomadas medidas pelos órgãos de controle. Agora, a Aneel foi incumbida pelo governo de investigar as causas e responsabilidades pelo apagão, que tem motivado dezenas de protestos em Macapá por causa da demora para uma solução.
A LMTE pertence à Gemini Energy, formada a partir de ativos da espanhola Isolux, em recuperação judicial. A empresa disse ao JN que os dois transformadores operavam com sobra de energia e um tinha condição de superar falhas do outro. No entanto, o incêndio avariou os dois equipamentos de uma vez.
Na sexta-feira, o governo informou que o restabelecimento de 100% da energia no Amapá só deve acontecer na quinta-feira, dia 26. A Justiça Federal prorrogou em mais sete dias o prazo. Um transformador de Laranjal do Jari, no sul do Amapá, está a caminho da capital, para onde também são levados equipamentos de geração térmica da Eletronorte para reforçar o abastecimento, que até agora está em 80%.
Mesmo com um transformador reabilitado e geradores, a energia é distribuída por rodízio. Moradores têm luz em intervalos entre três e quatro horas. Serviços essenciais, como o de distribuição de água, estão prejudicados, aumentando a insatisfação da população.
A Eletronorte assumiu a operação do sistema de energia no estado. Os custos serão divididos entre todos os consumidores nas contas de luz.
Controle tem falhas
Para especialistas, o apagão no Amapá mostra que a fiscalização do sistema elétrico precisa mudar. Joisa Dutra, ex-diretora da Aneel e professora da FGV Energia, reconhece que o efetivo da Aneel é pequeno, mas diz que a agência poderia, por exemplo, certificar parceiros para ações presenciais:
— A fiscalização tem que ter uma estratégia de seleção de modo que o concessionário sempre ache que há alguma probabilidade de ser fiscalizado. O consumidor paga para ter esses ativos operando.
Victor Ribeiro, especialista da Thymos Energia, também cita corte de verbas da Aneel como entrave, mas avalia que obrigar a subestação a manter equipamentos de reserva em ordem seria fácil e essencial, já que o Amapá fica na chamada “ponta do sistema”, sem linha de transmissão alternativa:
— Existe um outro produto, além da energia, que é o empreendimento estar disponível a qualquer momento. (Via: O Globo)
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