Exatos 30 dias antes de o Hamas invadir Israel e matar cerca de 1.200 pessoas, entre elas 36 menores e 364 frequentadores de um festival de música, o jornalista britânico Jake Wallis Simons lançou "Israelophobia - The Newest Version of the Oldest Hatred and What To Do About It", ou Israelofobia - a mais nova versão do mais antigo ódio e o que fazer a respeito, em tradução livre.
Na obra, Simons defende a ideia de que o atual ódio ao Estado de Israel é a mais nova face do velho ódio aos judeus, perseguidos por sua religião na Idade Média e como raça na Alemanha nazista. A bola da vez, diz ele, é o ódio político.
Jake Wallis Simons - Acho que você está parcialmente certo. Por um lado, o ataque aconteceu, e isso é uma expressão de antissemitismo e de israelofobia. Mas é importante reconhecer que houve, sim, muito apoio diplomático a Israel ao redor do mundo, especialmente no Ocidente, após o 7 de Outubro.
Não esqueçamos, porém, que as manifestações contra Israel que vemos diariamente no Reino Unido, ou ao redor do mundo, começaram em 7 de outubro. Elas não começaram em 7 de novembro. Elas começaram antes de Israel ter disparado um único tiro. Tudo o que os judeus fizeram foi serem massacrados, e isso foi o suficiente para gerar manifestações.
Folha - Por que o mundo mudou de visão sobre o conflito?
Jake Wallis Simons - Devido à narrativa do Hamas, que foi gradualmente sendo aceita, semana após semana, pela consciência pública. E isso inclui a forma como a mídia reporta. Se você ligar a televisão, em qualquer lugar do mundo, em qualquer hora do dia, verá imagens de civis palestinos mortos. Você não verá imagens de mortos em qualquer outra guerra. E os jornalistas ocidentais parecem muito felizes em se tornar um megafone para o Hamas. Então, a impressão que o público recebe é que Israel não está lutando contra o Hamas, mas contra mulheres e crianças. Essa impressão é criada pela propaganda do Hamas, com a qual a mídia está colaborando.
Folha - Nesse sentido, por que a propaganda do Hamas é tão mais efetiva do que a de Israel?
Jake Wallis Simons - Bem, eu acho que é porque Israel joga pelas regras. Israel é um país democrático. Basicamente, se um soldado mata alguém erradamente, ele pode ser preso. Se Israel fizer algo errado, se atacar um hospital e matar 300 civis, Israel, no final, admitirá que sim, que o fez. Por exemplo, quando o hospital Al Ahli Arab foi atacado por um jihadista islâmico, todos disseram que foi Israel. E o país não conseguiu negá-lo imediatamente, porque eles tiveram que investigar.
Então, finalmente, disse poder confirmar que não foi um ato israelense, e sim um ato terrorista. Nessa época, a narrativa falsa já havia viajado pelo mundo, e ninguém realmente se importava mais com a verdade. Então, você tem de um lado um ator terrorista desonesto e, do outro, uma democracia que, claro, matou muitos civis no conflito, mas esse não era seu objetivo. Israel não consegue competir com mentiras.
[O Hamas acusou Israel pelo bombardeio. Tel Aviv negou e afirmou que a explosão foi resultado de um foguete lançado pelo Jihad Islâmico. Um mês depois, um conjunto de evidências analisado pelo jornal americano The New York Times indicou que ao menos três foguetes israelenses atingiram o hospital.
Folha - O que o sr. achou da fala do presidente Lula ao comparar as mortes de civis em Gaza com "quando Hitler resolveu matar os judeus"?
Jake Wallis Simons - É óbvio que é antissemitismo. E totalmente injusto. Hitler tomou um país com uma minoria, tirou os direitos dessa minoria, degradou-os, roubou-os, diminuiu-os até que eles fossem sub-humanos na sociedade, deportou-os para os guetos e matou-os em fábricas de morte. Enquanto no caso israelense, em Gaza, Israel foi a vítima do ataque mais selvagem desde a Segunda Guerra Mundial e respondeu tentando destruir o inimigo, como qualquer outro país democrático faria. Mas precisamos reconhecer que o objetivo do Hamas é criar tantas vítimas palestinas quanto possível, pois isso faz pessoas como o presidente Lula dizerem coisas idiotas. Pessoas como o presidente Lula são, infelizmente, idiotas úteis para o Hamas.
As pessoas que fazem essa comparação sabem que não é verdade. Todo mundo sabe que não é verdade. Há um velho ditado segundo o qual um antissemita só acusa um judeu de roubo pela alegria de vê-lo revirar os bolsos para provar que não é um ladrão. Essa é a humilhação de que desfrutam os antissemitas quando pessoas como eu são forçadas a afirmar que judeus e nazistas não são a mesma coisa.
Folha - Em "Israelophobia", o senhor descreve três características do antissemitismo. A primeira é a demonização.
Jake Wallis Simons - A primeira coisa a entender é que a israelofobia funciona da mesma forma que os tipos mais antigos de antissemitismo. Então, na Idade Média, os judeus eram odiados por razões religiosas. Eles eram vistos como os assassinos de Cristo. Eram demonizados, suas más qualidades eram exageradas e inventadas, para que fossem vistos como uma força malévola e maligna. E é claro, se você tem uma força maligna, é sua responsabilidade matá-los, forçá-los a se converter ao cristianismo, expulsá-los, marginalizá-los, e assim por diante.
No século 20, os judeus eram odiados por sua raça, não por sua religião. Mas, uma vez mais, eles eram demonizados, suas qualidades malignas eram exageradas ou inventadas. Eram vistos como biologicamente inferiores, estando por trás de todas as guerras no mundo, manipulando os mercados financeiros, a política, controlando o mundo e criando o mal ao redor do mundo. É claro, se você está confrontado com um povo sub-humano e responsável pelo mal do mundo, então a conclusão natural é exterminá-lo.
Hoje, o Estado de Israel é visto dessa forma. Então, os judeus são odiados por razões políticas, por seu Estado-nação. Da mesma forma, as qualidades malignas de Israel são exageradas ou inventadas. É visto como o pior país do mundo, responsável por manipular a política mundial, por realizar genocídios, por realizar ocupações, supremacia branca e racismo. Se você tem um país responsável por todas essas coisas malignas, então a conclusão natural é destruí-lo. É o mesmo mecanismo.
RAIO-X | JAKE WALLIS SIMONS, 46
Formado em língua inglesa por Oxford, onde lecionou, e com doutorado em escrita criativa pela Universidade de East Anglia, é jornalista e já lançou quatro romances. Em dezembro de 2021, tornou-se editor do Jewish Chronicle, onde publicou uma série de reportagens sobre o Mossad, o serviço secreto israelense. Redator do Spectator, comentarista da Sky News e locutor da BBC Radio 4 e do World Service, já trabalhou em veículos como The Guardian e CNN.
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