Sérgio Moro enviou o inquérito
sobre Lula para Brasília. Mas teve o cuidado de acertar a cabeça da Jararaca
antes. Ao divulgar os diálogos vulgares em que Lula, fora de si, mostrou o que
tem por dentro, o juiz da Lava Jato borrifou na atmosfera o veneno que a víbora
lançara à sombra em direção ao STF, ao STJ, ao Congresso e à Procuradoria-Geral
da República. A reação foi dura. Tão dura que amoleceu o timbre da cobra criada
do PT.
Em
carta aberta divulgada na noite desta quinta-feira, Lula — ou o
advogado que redigiu o texto em seu nome — expressou sua “contrariedade” em
relação à atuação de Sérgio Moro em linguagem mansa e respeitosa. “Justiça,
simplesmente justiça, é o que espero, para mim e para todos, na vigência plena
do Estado de direito democrático.”
O
Lula da carta tomou distância do linguajar viperino do Lula dos grampos.
Ou daquele investigado que, conduzido coercitivamente para prestar depoimento
em 4 de março, convocou a imprensa para destilar fanfarrices: “Se quiseram
matar a jararaca, não bateram na cabeça, bateram no rabo, porque a jararaca
está viva.''
Moro
adotou com a Jararaca a mesma tática do garoto que gostava de puxar o rabo do
gato até que o gato lhe deu uma mordida, ensinando-lhe uma lição. Na próxima
vez, o garoto deu uma cacetada na cabeça do gato antes de puxar o rabo. Lula
deve estar perguntando aos seus botões: o que farão o Judiciário e a turma da
Lava Jato na próxima vez?
Num
dos trechos mais tóxicos da escuta que Moro mandou divulgar a pedido dos
procuradores de Curitiba, Lula dissera para Dilma, no mesmo fatídico 4 de
março: “Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos um
Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado, um Parlamento totalmente
acovardado. […] Nós temos um presidente da Câmara fodido, um presidente do
Senado fodido. Não sei quantos parlamentares ameaçados. E fica todo mundo no
compasso de que vai acontecer um milagre e vai todo mundo se salvar.
Sinceramente, eu tô assustado com a República de Curitiba.”
Se
a nomeação de Lula para a Casa Civil ficar em pé, ele será julgado pelo STF. O
decano do tribunal, ministro Celso de Mello, cuidou de dar-lhe as boas vindas
ao responder à provocação em nome dos colegas, todos incomodados com a
qualificação de covardes.
“Esse
insulto ao Poder Judiciário, além de absolutamente inaceitável e passível da
mais veemente repulsa por parte dessa Corte Suprema, traduz no presente
contexto da profunda crise moral que envolve altos escalões da República, uma
reação torpe e indigna, típica de mentes autocráticas e arrogantes, que não
conseguem esconder, até mesmo em razão do primarismo de seu gesto leviano e
irresponsável, o temor pela prevalência do império da lei e receio pela atuação
firme, justa, impessoal e isenta de juízes livres e independentes”.
No
STJ, a reação coube ao ministro João Otavio de Noronha. “Esta Casa não é uma
Casa de covardes. É uma casa de juízes íntegros, que não recebe doação de
empreiteiras. É estarrecedor a ironia, o cinismo dos que cometem o delito e
querem se esconder atrás de falsa alegada violação de direitos. Não se nega os
fatos e porque não tem como negar o que está gravado. A atitude do juiz Moro,
gostem ou não, certa ou errada, revelou a podridão que se esconde atrás do
poder. Se alguns caciques do judiciário se incomodam ou invejam, lamento.”
Na
Câmara, o “fodido” Eduardo Cunha colocou para andar o pedido de impeachment.
Posicionou soldados de sua infantaria pessoal na presidência e na relatoria da
comissão que cuidará do tema antes que ele chegue ao plenário.
Tido
como herói da resistência governista no Senado, o também “fodido” Renan
Calheiros não deu as caras na cerimônia de posse de Lula. Declarou: “Eu acho
que qualquer comentário […] que desmereça as instituições ou colabore com o
enfraquecimento das instituições não é bom para a democracia.”
Se
prevalecer o foro privilegiado que Dilma providenciou para seu criador, quem
fará o papel de acusador de Lula no Supremo é o procurador-geral da República
Rodrigo Janot. Que Lula considera um ingrato: “…Ele recusou quatro pedidos de
investigação ao Aécio e aceitou a primeira de um bandido do Acre contra mim.
[…] Essa é a gratidão. Essa é a gratidão dele por ele ser procurador…”
“Não
sei que ingratidão é essa”, estranhou Janot, em entrevista concedida na Suíça.
“O que eu posso dizer é que eu entrei no meu cargo por concurso público, tenho
32 anos de carreira, percorri toda a minha carreira, estou em final de carreira
e se eu devo algo a alguém, esse meu cargo, é a minha família.”
Há
dois dias, Lula era celebrado por auxiliares de Dilma e dirigentes do PT como o
personagem que tiraria o governo do caos. Conseguiu. Com a ajuda de Moro, Lula
levou a administração petista para o brejo. Deslizando sobre terreno movediço,
a Jararaca está em apuros.
Já
empossada, a víbora aguarda o desfecho da batalha judicial que sua nomeação
causou para saber se poderá ou não ocupar a Casa Civil da Presidência. Se tudo
der certo, será submetido ao crivo de um procurador que não lhe deve nada e de
magistrados ávidos por demonstrar sua coragem funcional. Se der errado, volta
para os braços de Sérgio Moro, na “República de Curitiba”.
Em
qualquer hipótese, cresceram muito as chances de a Jararaca levar novas
cacetadas na cabeça. (Via: Josias de Souza)
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