A briga que
envolveu a amante dissimulada (papel de Débora Falabella), a esposa traída
(Maria Fernanda Cândido) e uma sereia (Isis Valverde) na novela A Força do Querer inverteu
perigosamente os sinais do direito penal e civil. O “acerto de contas”, antigo
clichê da teledramaturgia, acabou colocando a mocinha no papel da bandida e
fazendo da vilã a vítima.
O adultério pode
ser humilhante e doído, mas deixou de ser crime em 2005 – por força da mesma
lei que retirou do Código
Penal a ridícula expressão “mulher honesta”. Até então, a
traição podia dar de quinze dias a seis meses de detenção, tanto do traidor
como do ‘corréu’. Com algumas ressalvas: o traído tinha apenas um mês para
reclamar, desde o momento em que tomasse conhecimento do chifre; e se decidisse
perdoar o traidor, mesmo que “tacitamente”, perdia o direito de processá-lo.
Com
a mudança, o adultério deixou o campo do direito penal e restou circunscrito à
esfera civil. Em seu capítulo sobre a “eficácia do casamento”, o Código Civil coloca a fidelidade como o primeiro de cinco deveres
dos cônjuges – os outros quatro são a vida em comum; a mútua assistência; o
sustento, guarda e educação dos filhos; e respeito e consideração mútuos.
Assim, quando levado às barras dos tribunais, um caso de traição pode acabar, não
em prisão, mas em reparação indenizatória, por dano moral – que se cobra do
cônjuge infiel, não do pivô da traição, em disputas jurídicas amargas e de
resultado imprevisível.
Brutalidade: Ao expurgar o adultério do Código
Penal, assentou-se que a fidelidade não é uma obrigação devida à ordem social,
mas uma responsabilidade assumida por um cônjuge perante o outro, e que o
Estado não tem nada com isso, explica a especialista em direito penal Fernanda
de Almeida Carneiro, professora do Insituto de Direito Público, de São Paulo.
Não é esse o caso da lesão corporal, tipificada no artigo 129 do Códio Penal,
diz a penalista. Nesse caso, ofende-se não apenas a vítima, mas a própria
sociedade. A punição, na modalidade mais branda, é a detenção de três meses a um
ano. Se é de natureza grave, reclusão de até oito anos. Quando seguida de
morte, doze.
A esposa traída de A Força do Querer, claro, pode procurar atenuantes,
como agir “sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da
vítima” ou o “o desconhecimento da lei”. Complica a defesa o fato de que a
personagem já sabia das escapadas do marido (Dan Stulbach); que sua antagonista
estava imobilizada por uma segunda pessoa quando foi repetidamente agredida na
cara com um Louboutin; e que ninguém prestou socorro. E nenhuma maldade que a
amante tenha cometido – ou venha a cometer – pode livrar a cara da esposa
traída: um crime não “compensa” outro.
A brutalidade da cena da novela
chocou alguns espectadores, mas a verdade é que na vida real a ‘força do querer’
pode ser muito mais violenta. A crônica policial está cheia de amantes
espancadas, assassinadas ou expostas à execração pública, frequentemente sob o
aplauso de terceiros. O mais grave: longe da ficção, o “acerto de contas” é
comumente desencadeado por nada mais que um boato, uma mentira, o mero ciúme.
Para dar parte da agressão, a
vítima deve dirigir-se à delegacia, registrar boletim de ocorrência e
submeter-se a exame de corpo de delito. Se a surra deixou vestígio, o agressor
responde por lesão corporal. Se não deixou, explica a especialista, o cônjuge
vingado pode responder pela contravenção penal tipificada como vias de fato
(prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa) e crimes contra a
honra, como a injúria (detenção, de um a seis meses, ou multa). (Via: Veja)
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