O clã
“socialista” dos Coelho — pausa para gargalhar — sabe exatamente onde está o
dinheiro, assim como Kenneth Lay da Enron depositava confiança total em George
W. Bush
por Luiz
Carlos Azenha
A reportagem de Marco
Weissheimer, no Sul21, me levou de volta aos anos 90, nos Estados
Unidos, quando um intenso debate foi travado em torno das medidas para
desregulamentar o setor elétrico na California.
Eu era correspondente em Nova York e acompanhei de perto o que viria a ser
uma tragédia. Literalmente, milhares de pessoas passaram horas ou dias sem
energia elétrica em casa, num período de dois anos!
O governador republicano Pete Wilson e asseclas, inclusive do Partido
Democrata, vendidos aos interesses das gigantes de energia AES — a mesma que
agora controla a distribuição de energia no mercado mais lucrativo do Brasil,
São Paulo — Reliant e Enron, partiram para a desregulamentação do setor,
apostando todas as fichas num mercado atacadista de energia que colocava o
lucro das empresas acima do interesse público.
Deu-se um dos maiores escândalos da História econômica dos Estados Unidos
— o verdadeiro 11 de setembro, segundo o economista Paul Krugman: a Califórnia
e regiões do Oeste dos Estados Unidos experimentaram apagões durante dois anos.
Muitos resultaram de pura ganância da Enron para ordenhar lucros.
Aqui, preciso recomendar ao menos dois livros seminais sobre o assunto: The Smartest Guys in the
Room e Power Failure, que descrevem os
bastidores de um dos maiores golpes corporativos já praticados nos Estados
Unidos.
A Enron, como se sabe, colapsou no início dos anos 2000, depois de
apresentar lucros de mais de U$ 100 bi.
Cerca de 5 mil empregos viraram fumaça, houve perdas de U$ 60 bi no
mercado, a empresa de auditoria Arthur Andersen foi desmoralizada e as ligações
do principal executivo do grupo, Kenneth Lay, com o então presidente George W.
Bush e outros políticos, ficaram expostas.
Lay foi condenado a 45 anos de prisão pelos crimes corporativos e a outros
120 pelos crimes pessoais, mas morreu de um fulminante ataque cardíaco enquanto
apelava.
O executivo foi parcialmente responsabilizado pelo fato de que a
Enron fez o diabo durante a crise energética da Califórnia. É literal: fez
o diabo.
Exemplos? Colocou em manutenção geradores de energia em dias de alto
consumo, multiplicando os preços da ‘mercadoria’ que produzia; simulou
congestionamento em linhas de transmissão, com o mesmo efeito.
O fornecimento de energia na Califórnia deixou de atender ao
interesse público e os consumidores se tornaram reféns da Enron e de outros
mafiosos.
É impossível não considerar que o governo Temer está nos levando pelo
mesmo caminho, como Weisshemer descreve na reportagem do Sul21:
O Ministério de Minas e Energia emitiu a Nota Técnica nº 5/2017, propondo
alterações das normas que regem o setor elétrico brasileiro, com o objetivo
declarado de “aprimoramento do marco legal” desse setor.
Esse “aprimoramento”, porém, pode levar a uma mudança radical, de
orientação ultraliberal, do funcionamento do sistema elétrico do país como um
todo.
“O centro desse novo modelo é o conceito de que a energia elétrica é uma
mercadoria, uma commodity, que pode ser vendida e comprada em um mercado livre
de energia elétrica”, diz o engenheiro Ronaldo Custódio, ex-diretor técnico da
Eletrosul, idealizador do Atlas Eólico do Rio Grande do Sul e professor no
curso de especialização em Energias Renováveis da PUC-RS.
Para os consumidores, uma das principais consequências dessa mudança pode
ser um aumento de até 6 vezes no preço pago hoje pela energia.
As mudanças propostas na Nota Técnica, assinala Custódio, abandonam o
conceito de energia elétrica como serviço e bem público e alteram o atual
modelo, implantado pela lei 10.848/2004 e estruturado em torno de três eixos:
universalização, modicidade tarifária e garantia de suprimento.
“Neste modelo, a energia elétrica é um bem público regulado, não existindo
liberdade total de compra e venda. Até existe um mercado livre de energia, mas,
majoritariamente, o modelo é regulado, com preços definidos pelo setor público.
As medidas previstas na nota técnica objetivam a ampliação e consolidação do
mercado livre. Será possível, entre outras coisas, especular com o preço e a
oferta da energia. Esse novo modelo proposto coloca em risco a segurança
energética do país”, alerta o engenheiro que trabalha no setor elétrico há 30
anos.
As propostas de “aprimoramento do marco legal” propõem a criação de um
ambiente especulativo para o comércio de energia, com a formação de uma bolsa
de energia, com total liberdade de definição de preços pelos agentes
operadores.
Isso significa, observa ainda Ronaldo Custódio, que a operação do sistema
elétrico passará a se dar pelo preço e não mais pelo custo, o que permitirá que
a especulação de preço afete a operação de todo sistema energético.
“Uma coisa é você especular com a venda de uma mercadoria qualquer, como o
sabonete, por exemplo. Como é que você consegue maximizar o preço de um produto
no mercado capitalista? Tendo equilíbrio entre oferta e demanda. Se eu tiver
muita oferta, o preço cai. No setor da energia, isso é um perigo, pois esse
equilíbrio implica o que alguns economistas chamam de escassez relativa. Você
consegue o preço máximo quando há um princípio de escassez, sem ainda faltar o
produto, mas no limite disso acontecer. Nesta situação, você tem o ganho máximo
com aquele produto. Mas uma coisa é faltar sabonete no mercado, outra, bem
diferente, é faltar energia”.
Preço ao
consumidor pode aumentar de 5 a 6 vezes
O mercado, lembra o engenheiro, tentou implantar esse modelo do país na
década de 90, mas esse processo foi interrompido pelo governo Lula.
“Lula não rompeu com os contratos existentes, mas reestruturou todo o
setor, mantendo um mercado livre pequeno, sem perder de vista o fundamento de
que a energia é um bem e um serviço público que, portanto, precisa ser regulado
pelo Estado. Segundo esse novo modelo, proposto na Nota Técnica, o
mercado passaria a regular tudo e a estimular a especulação por meio da criação
de uma bolsa de energia. Neste conceito, está embutida ainda a proposta de
privatização de todas as empresas públicas do setor e também das usinas que
tiveram suas concessões renovadas há pouco tempo. A ideia é vender e dar
liberdade de definição de preço para os novos donos das usinas, o que pode
aumentar de 5 a 6 vezes o preço pago hoje pelo consumidor. Esse preço, que hoje
é da ordem de 40 megawatt-hora, poderá passar para algo entre 200 e 250
megawatt-hora. Quem vai ganhar com isso? O dono da usina. Quem pagará? O
consumidor de energia”.
A nota técnica foi colocada em audiência pública que já está aberta a
contribuições e que será encerrada no dia 4 de agosto.
A partir dessa audiência será elaborada uma proposta ao Congresso
Nacional, provavelmente por meio de uma Medida Provisória, prevê Custódio.
“A ideia é estimular a participação de movimentos sociais e da população
em geral nesta audiência pública que até prevê pouco tempo de debate pela
profundidade da mudança. Quem está participando desse debate hoje são,
basicamente, empresas do mercado de energia. Mas as alterações propostas vão
além do mercado de energia, interessando diretamente a sociedade como um todo”.
“Privatização
é o carro-chefe deste modelo”
Na avaliação de Ronaldo Custódio, os projetos do governo José Ivo Sartori
(PMDB) para privatizar todas as empresas públicas de energia do Rio Grande do
Sul se inserem dentro da lógica deste novo modelo que está sendo proposto.
“Há um alinhamento ideológico neste sentido e a privatização é o carro
chefe desse modelo”.
Nos últimos anos, assinala ainda o engenheiro, a presença do capital
internacional (especialmente chinês) no setor elétrico brasileiro vem crescendo
muito.
“Até aqui, porém, tivemos a presença do Estado, regulando o setor. Neste
modelo, as estatais cumprem a função de regular os preços e a competição. Ao se
retirar as estatais do mercado e se dar total liberdade de preço, abrem-se as
portas para a instalação de um ambiente especulativo”.
O que está sendo proposto agora, resume, significa o fim da política
energética de Estado no Brasil, que passaria a ser gerida totalmente pelo setor
privado.
“A política energética passará a ser uma política privada. As empresas
privadas que operam no mercado é que decidirão os rumos do país. A Câmara de
Comercialização de Energia Elétrica assumirá a gestão de todos os contratos e
do sistema de transmissão no Brasil. O que eu e vários especialistas avaliam
que irá acontecer é o aumento do preço da energia e do risco de déficit, pois o
Estado perderá a capacidade de controle”.
Nenhum país adotou um modelo como este, acrescenta Custódio, nem os
Estados Unidos, que têm mecanismos de regulação de preços.
“Na década de 90, eles tentaram liberar o mercado, mas depois da grande
crise que ocorreu na Califórnia eles deram uma segurada. Na Argentina, há um
modelo um pouco parecido com esse que querem implantar aqui no Brasil e veja a
crise energética do país. Onde se tentou implementá-lo no mundo, a experiência
foi mal sucedida. Mas, no nível em que está sendo proposto agora aqui, não
conheço nenhum caso”.
Resumo de
algumas das principais medidas propostas para o setor elétrico
Liberdade
total de compra e venda de energia. implantação do mercado livre total, com
consolidação prevista até 2028.
Criação de um
ambiente especulativo para o comércio de energia, com a formação de uma bolsa
de energia e total liberdade de preço.
Operação do
sistema elétrico pelo preço, e não mais pelo custo. Especulação de preço pode
afetar a operação e alterar a programação energética.
Extinção do
Mecanismo de Realocação de Energia (MRE). A energia secundária das usinas
hidrelétricas, que hoje pertence ao sistema e é usada para a otimização
energética, passará a ser uma mercadoria comercializada pelo agente privado.
Fortalecimento
da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), ambiente controlado
pelos agentes de mercado. Todos os contratos e a gestão do mercado serão
centralizados na CCEE.
Privatização
das estatais, com incentivo financeiro para sua agilização, até 2019.
Fim dos
incentivos, a partir de 2030, às fontes alternativas de energia (eólica, solar,
biomassa, etc.) (Via: Site Viamundo)
Blog: O Povo com a Notícia