O presidente Jair Bolsonaro
afirmou neste domingo (6) que a Folha "avançou todos os limites" e
desceu "às profundezas do esgoto" ao publicar reportagem sobre
possível uso de caixa dois na campanha dele à Presidência e do ministro do
Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, ambos do PSL.
"A Folha de S.Paulo avançou a todos os limites, transformou-se num
panfleto ordinário às causas dos canalhas", afirmou Bolsonaro em suas
redes sociais. "Com mentiras, já habituais, conseguiram descer às
profundezas do esgoto", disse. Na mensagem, o presidente reproduz parte da
primeira página do jornal.
Segundo reportagem publicada pela Folha, um depoimento dado à Polícia
Federal e uma planilha apreendida em uma gráfica sugerem que dinheiro do
esquema de candidatas laranjas do PSL em Minas Gerais foi desviado para
abastecer, por meio de caixa dois, as duas campanhas.
O depoimento foi dado por Haissander Souza de Paula, assessor parlamentar
de Álvaro Antônio à época e coordenador de sua campanha a deputado federal no
Vale do Rio Doce (MG). Ele disse à PF que "acha que parte dos valores
depositados para as campanhas femininas, na verdade, foi usada para pagar
material de campanha de Marcelo Álvaro Antônio e de Jair Bolsonaro".
Em uma planilha, nomeada como "MarceloAlvaro.xlsx", há
referência ao fornecimento de material eleitoral para a campanha de Bolsonaro
com a expressão "out", o que significa, na compreensão de
investigadores, pagamento "por fora".
Na mensagem publicada nas redes sociais, Bolsonaro ignora a descoberta da
planilha e chama Haissander, homem de confiança de Marcelo Álvaro Antonio, de
"tal assessor". Além de não citar a planilha, o presidente não
contesta a existência do depoimento à PF.
De acordo com o presidente, sua campanha arrecadou R$ 4 milhões pela
internet e usou metade do valor. Segundo ele, foi feita uma tentativa de doação
da sobra de R$ 2 milhões, o que não era permitido pela legislação.
Bolsonaro disse que não usou dinheiro do fundo partidário na corrida
eleitoral do ano passado. Na verdade, ele fazia referência, não ao fundo
partidário, mas ao fundo eleitoral, que distribuiu R$ 1,7 bilhão às campanhas
dos partidos.
O presidente ainda fez referência às empresas que são anunciantes na
Folha. "O que mais me surpreende são os patrocinadores que anunciam nesse
nesse jornaleco chamado de Folha de S.Paulo", disse.
Mais cedo, o chefe da Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) da
Presidência, Fabio Wajngarten, usou suas redes sociais para criticar a
reportagem e sugerir um boicote publicitário a órgãos que, no seu entender,
veiculam "manchetes escandalosas".
Em uma nota conjunta divulgada neste domingo, a Aner (Associação Nacional
de Editores de Revistas) e a ANJ (Associação Nacional de Jornais) disseram
condenar a manifestação de Wajngarten com críticas à mídia. As entidades
disseram também repudiar “a conclamação” feita pelo secretário aos anunciantes.
“A ANJ e a Aner lamentam ainda a visão distorcida do secretário sobre
mídia técnica, o que é preocupante vindo de quem tem a responsabilidade de
gerir recursos públicos de publicidade”, afirma a nota.
Em nota, o presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo
Investigativo), Daniel Bramatti, disse que "a gravíssima manifestação do
funcionário do governo Bolsonaro se insere em um contexto de sistemáticos
ataques ao jornalismo vindos do presidente e de seus aliados".
Segundo o presidente da entidade, eles "procuram suprimir ou
desacreditar qualquer voz que se contraponha ou concorra com as narrativas
oficialistas".
"Em uma democracia, é inaceitável que um representante do governo
convoque anunciantes a boicotar veículos por insatisfação com o que publicam.
Essa demonstração de descaso em relação aos princípios da impessoalidade e da
liberdade de expressão (consagrados em nossa Constituição, por sinal) é típica
de quem opta por seguir o roteiro da promoção do autoritarismo em vez do
respeito à democracia", acrescentou Bramatti.
A Folha revelou, em reportagens publicadas desde o início de fevereiro, a
existência de um esquema de desvio de verbas públicas de campanha do PSL em
2018, que destinou para fins diversos recursos que, por lei, deveriam ser
aplicados em candidaturas femininas do partido.
Álvaro Antônio, deputado federal mais votado em Minas Gerais, foi
coordenador no estado da campanha presidencial de Bolsonaro.
O ministro foi indiciado pela Polícia Federal e denunciado pelo Ministério
Público de Minas Gerais na última sexta (4) sob acusação dos crimes de
falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita de recurso eleitoral e
associação criminosa — com pena de cinco, seis e três anos de cadeia,
respectivamente. Ele nega irregularidades.
Haissander foi preso por cinco dias no final de junho, ao lado de outros
dois investigados —entre eles um atual assessor de Álvaro Antônio no Turismo.
Neste domingo, o ministro Sergio Moro (Justiça) afirmou que o presidente
fez a campanha "mais barata da história" e que a manchete da Folha
não reflete a realidade.
Na mensagem publicada neste domingo no Twitter, Moro indica ter
informações da investigação conduzida pela Polícia Federal e pelo Ministério
Público de maneira sigilosa em Minas.
"Nem o delegado, nem o Ministério Público, que atuam com
independência, viram algo contra o PR [presidente da República] neste inquérito
de Minas. Estes são os fatos", disse. A publicação de Moro foi ‘curtida’
por Bolsonaro e, depois, compartilhada pelo presidente em sua conta no
Facebook.
A reportagem da Folha, no entanto, é baseada em depoimento de um
ex-assessor do ministro do Turismo à PF e em uma planilha apreendida nas
investigações. Em nenhum momento o jornal atribui conclusões sobre o assunto
aos investigadores.
Não é a primeira vez que Moro sugere ter tido informações sobre o
inquérito sigiloso do caso dos laranjas. Em junho, Bolsonaro afirmou ter
recebido informações do ministro da Justiça sobre a investigação em curso.
Na ocasião, o ministério chegou a admitir que Moro repassou dados ao
presidente, mas depois mudou a versão, dizendo que só trataram do que havia
sido divulgado pela imprensa. (Via: Agência Brasil)
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