O ministro da AGU
(Advocacia-Geral da União), André Mendonça, diz que, se o STF (Supremo Tribunal
Federal) passar a proibir a prisão de condenados em segunda instância, o número
de prisões preventivas deve aumentar.
"Talvez ele [o juiz] vá ter que adotar uma medida de
precaução a mais para prevenir que aqueles ilícitos não aconteçam",
afirmou Mendonça, que participou do programa de entrevistas do jornal Folha de
S.Paulo e do site UOL em estúdio compartilhado em Brasília.
Sob seu comando, a AGU, que
defendia esperar o trânsito em julgado (o fim de todos os recursos), mudou de
entendimento e passou a defender a prisão em segundo grau.
Mendonça evitou analisar o impacto da decisão do ministro
Dias Toffoli de suspender investigações que usam dados do antigo Coaf sem
autorização judicial prévia.
O advogado-geral da União disse ainda que não é hora de
debater endurecimento de pena para quem difama pessoas e espalha fake news nas
redes sociais.
Segunda instância
"A Constituição designou o advogado-geral, concorde ele
ou não, para defender a constitucionalidade [das leis]. Porém, o Supremo
construiu hipóteses excepcionais nas quais o AGU pode adotar postura diferente.
[Uma delas] é quando o Supremo tem jurisprudência em sentido contrário [à lei
em debate].
No caso, a jurisprudência atual é a de que é constitucional a
prisão a partir da condenação em segunda instância. Isso nos permitiu, em
caráter excepcional, adotar uma postura livre, defender de forma diversa do que
havia sido feito no passado.
[Se o STF decidir esperar o trânsito em julgado para prender]
Vamos ter que redefinir o modelo de combate à criminalidade. Há um risco de
haver uma maior tendência de decretação de prisões preventivas em função dessa
limitação. Quando você está tratando da criminalidade, você tem que pensar na
prevenção de aquele ilícito se repetir.
Quando você trata da prisão a partir da segunda instância, já
tem um convencimento sobre o autor e que aquele fato ilícito realmente
aconteceu. Então você tem critérios objetivos para permitir a prisão [em
comparação com a preventiva, que é mais subjetiva].
O fato de a pessoa estar presa não significa que tenha
quebrado o princípio da presunção de inocência. Se fosse assim, nem mesmo a
prisão preventiva eu poderia decretar."
Revisão e eventual soltura de Lula
"Temos três ações de constitucionalidade, temos vários
casos concretos sendo submetidos ao Supremo que envolvem essa questão.
O Supremo, diante dessa situação, não toma a iniciativa, ele
acaba tendo que julgar esses casos, e havia um sentimento na corte de que
talvez o atual entendimento não prevaleceria no atual contexto.
Essa análise de oportunidade cabe ao Supremo. Não nos cabe
julgar sob essa perspectiva."
Indicação ao STF
"Primeiro, não há vaga. Segundo, o presidente nunca
conversou comigo. O que eu sei é o que vocês dizem pela imprensa.
O importante é que, no momento oportuno, quem quer que sejam
os nomes que ele [Bolsonaro] venha a escolher, e há muitos bons nomes, que
sejam pessoas que contribuam com o país, com um padrão de ética, de bom
comportamento, de bom conhecimento jurídico, como a própria Constituição o
exige."
'Terrivelmente evangélico'
"O presidente usa essa expressão como um slogan. Ele
ouviu essa expressão da ministra Damares [Alves] numa reunião e dali ele
popularizou.
Eu sou evangélico desde a infância, me considero com minha fé
muito bem estruturada, minha crença em Deus, minha crença em Jesus Cristo como
aquele que morreu por mim.
Qualquer que seja a religião, nós temos que, no âmbito da
nossa atuação profissional, ter uma atuação de forma que respeite os nortes que
nós temos: a Constituição e as leis."
Caso Coaf
"Nós temos a decisão do Supremo [Toffoli suspendeu
processos com dados do Coaf, a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ)]. A
AGU não atua nesse caso concreto. O nosso papel tem sido aconselhar o trâmite
da mudança que houve [do Coaf] do Ministério da Justiça para a Economia.
O ministro Paulo Guedes me perguntou sobre a ida para o Banco
Central, eu vi com ótimos olhos. O BC é menos vulnerável a circunstâncias
políticas, tem uma estrutura sólida, funcionários de carreira, já com uma
cultura de tratar informações sigilosas.
A partir dessa readequação eu acho que vamos ter condições de
avaliar melhor qual é o verdadeiro impacto dessa decisão [de Toffoli]."
Inquérito das fake news do STF
"Essa é uma daquelas confusões em que não se entende
muito bem o papel da AGU. Imagina-se que a AGU é do Executivo, mas não é assim.
A AGU integra as funções essenciais à Justiça, ela está fora dos três Poderes.
Nós não defendemos só os atos do Executivo. Nós temos de
defender os atos do Legislativo, do Judiciário, do CNJ [Conselho Nacional de
Justiça], do TCU [Tribunal de Contas da União].
A abertura do inquérito foi um ato do Judiciário baseado em
quê? No regimento interno do STF. O que diz o próprio Supremo sobre o seu
regimento? Que ele tem força de lei. Se está previsto no regimento interno, a
AGU tem de defender esse ato.
Qual é a possibilidade de isso mudar? É o próprio Supremo
dizer que esse dispositivo do regimento interno é inconstitucional."
Punir difamações nas redes
"Podemos fazer críticas? Temos essa garantia
constitucional de liberdade de expressão. Eu não posso acusar alguém sem prova,
porque eu incorro na possibilidade de cometer um crime de calúnia, injúria e
difamação.
O endurecimento das penas visa a prevenção. Eu tenho de ter
uma pena, numa medida tal, que previna o cometimento de ilícitos. Agora, eu não
posso ter uma pena desproporcional. Não posso ter uma pena para o crime de
difamação na mesma intensidade que a de homicídio.
Toda essa fala de fake news, manifestações na rede, é tudo
muito novo. Está tão acalorada essa discussão, que eu acho que fazer isso agora
[debater punições] a gente corre o risco de se exceder."
Delegado Waldir
"O deputado Waldir [PSL-GO] vai à imprensa e faz essa
colocação: "Vou implodir o presidente". O que é implodir? É implodir
a vida ou é uma expressão política? Naquele momento trouxe um susto.
Só a partir das entrevistas nos dias subsequentes ele começou
a esclarecer que era mais no sentido de "vou implodir a imagem", vou
falar coisas que vão desagradar ao presidente.
A partir desse momento, para nós ficou claro que era mais uma
manifestação política do que de outra natureza e, como tal, ele estaria
acobertado pela imunidade parlamentar.
O presidente falou: "Eu preciso saber o que
juridicamente acontece [com a declaração]", e coube à AGU fazer essa
análise. Sem dúvida [está descartada uma ação judicial]."
Questões de gênero
"Ninguém é a favor do preconceito homofóbico. O
professor que está formando uma criança, um adolescente, [vai ter de dizer:]
"Olha, não cabe a você ofender, agredir uma outra pessoa, ainda que seja
por sua opção sexual, cor, raça". Esse é um ponto.
De outro lado, também tenho de entender que, quando eu coloco
um filho em uma escola pública, eu espero que questões ideológicas, religiosas,
não sejam ali objeto de influência para o meu filho de 7, 8, 10 anos.
Eu sou evangélico. Eu defendo o ensino religioso numa escola
pública? Não. Porque o Estado tem de ser laico.
O combate ao preconceito não é ideológico, é respeito,
cidadania, deve ser ensinado. Outra coisa é você, por exemplo, ir para uma
criança e falar que não existe só homem e mulher, que existem outros sexos. É
uma questão que um pai quer tratar dentro de casa.
Conforme a idade, sim [pode-se abordar mais possibilidades
que a sexualidade tradicional para superar o preconceito]. Conforme a idade,
talvez não. Talvez seja interessante tratar isso por lei, porque aí vai haver
um debate no Parlamento, para se entender melhor os limites disso."
Óleo no Nordeste
"Houve cinco ações [do Ministério Público Federal] sobre
essa questão. Em duas a Justiça já reconheceu que não houve omissão [do
governo].
Uma ação mais importante, salvo engano em Sergipe, trata de
um pedido para que a União adote o chamado PNC, Plano Nacional de Contingência.
E qual foi a decisão da Justiça? [Que] a União já está adotando todas as
medidas cabíveis.
Todo o país foi vítima de um ilícito ambiental.
Agora, posso garantir uma coisa: uma vez identificados os
responsáveis, estejam onde estejam, no Brasil ou no exterior, nós vamos buscar
essa responsabilização."
ANDRÉ MENDONÇA, 46
Ministro da Advocacia-Geral da União, é doutor em Estado de
Direito e governança global pela Universidade de Salamanca, na Espanha. Foi
chamado de "terrivelmente evangélico" pelo presidente Jair Bolsonaro,
que já afirmou que cogita indicá-lo para uma vaga no Supremo Tribunal Federal.
(Via: REYNALDO TUROLLO JR E FELIPE AMORIM/Folhapress)
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