No início deste ano, a Atento,
empresa de telemarketing e a maior empregadora privada do País, ofereceu 1,2
mil vagas no Mutirão do Emprego, promovido pelo Sindicato dos Comerciários de
São Paulo. Com 600 interessados, só conseguiu contratar 7 operadores de
telemarketing – menos de 1% do que precisava. No mesmo evento, o Grupo Pão de
Açúcar abriu 2 mil postos, aprovou 700 candidatos, mas, até agora, apenas 32
estão trabalhando, segundo os organizadores do evento.
Diante da estagnação da economia, do desemprego em alta e do
avanço da tecnologia, os casos acima são um retrato nítido da dificuldade que o
trabalhador sem qualificação tem enfrentado para voltar ao mercado. Nos últimos
dois anos, 60% das 11,8 mil vagas ofertadas nos mutirões do emprego, que reuniram
grandes empresas, não foram preenchidas. Dificuldade de se expressar, de fazer
contas, falta de conhecimentos básicos em informática e inglês e poucos anos de
estudo são obstáculos às contratações.
De acordo com o presidente do Sindicato e da União Geral do
Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, no último mutirão foram ofertadas cerca de
2 mil vagas para caixa de supermercado, com salário perto de R$ 1.100. Metade
delas ficou em aberto por falta de qualificação dos candidatos. Operador de
caixa e de telemarketing são geralmente a porta de entrada para o mercado de
trabalho, especialmente para os mais jovens.
Segundo empresas de recrutamento, a recolocação tende a ser
mais difícil para quem tem até o ensino fundamental, menos de 20 e mais de 45
anos e está há mais de um ano fora do mercado. Entre os 13,4 milhões de
desempregados no primeiro trimestre deste ano, segundo a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad), 635 mil são considerados de difícil recolocação
pelos recrutadores, nas contas do economista Cosmo Donato, da LCA. É o dobro do
registrado no mesmo período de 2014, antes da recessão.
O abismo entre a qualidade da mão
de obra desempregada e o que as empresas procuram não deve se resolver nem
mesmo com a retomada da economia, prevê o economista-chefe da Confederação
Nacional do Comércio (CNC), Fabio Bentes. Ele estima que dois, em cada dez
desocupados, devem ficar fora do mercado na próxima década por falta de
qualificação. Isso significa que a massa de trabalhadores sem chances de se
recolocar pode saltar dos atuais 635 mil para 1,4 milhão, em dez anos.
De acordo com as estimativas de
Bentes, se a economia crescer em média 2,5% ao ano até 2030, a procura por
trabalhadores não deve ser suficiente para recuperar os 8,8 milhões de empregos
destruídos pela maior recessão da história. As projeções foram feitas, a pedido
do Estado, levando em conta dados da Pnad e projeções do Boletim Focus do Banco
Central.
“Não vai ter (crescimento do) PIB
suficiente para incorporar essa massa de desempregados com baixa qualificação”,
afirma. Em 2014, antes da recessão, o mercado de trabalho estava tão aquecido
que até profissionais com pouca qualificação eram facilmente absorvidos. Na
crise, o quadro se inverteu.
Para Hélio Zylberstajn, professor
sênior da FEA/USP e coordenador do projeto Salariômetro da Fipe, os
trabalhadores sem preparo podem ter destino diferente, dependendo de qual área
leve adiante a retomada da economia. “Essa proporção de dois em cada dez poderá
ser menor se o modelo for puxado pelo investimento em infraestrutura, que
incorpora trabalhadores na construção civil de baixa qualificação”, diz.
Treinamento
A conhecida baixa produtividade
do trabalhador brasileiro só vai ser resolvida, segundo Bentes, da CNC, com
treinamento, o que depende de investimentos. No setor público, diante da
pressão por cortes e contingenciamento de gastos, será difícil que o orçamento
cresça nos próximos anos na velocidade necessária para suprir essa necessidade
de qualificação dos trabalhadores. Por iniciativa própria, só uma parcela muito
pequena deles consegue bancar os estudos. “A maioria vende o almoço para
comprar o jantar”, afirma.
Segundo o economista, a
iniciativa privada é a ponte principal para melhorar a produtividade. Ele
adverte, no entanto, que existe um risco de o trabalhador desqualificado ser
substituído por uma máquina. “Quando a economia voltar a crescer e o investimento
retornar, o empresário vai se perguntar se faz sentido contratar, por exemplo,
um caixa de supermercado com baixa produtividade ou se é mais barato comprar
uma caixa registradora automática que faça esse serviço a um custo menor e sem
encargos trabalhistas”, afirma.
Tecnologia deixa empregador mais
seletivo na hora de contratar. Foi-se o tempo que máquina registradora do
supermercado fazia só as quatro operações matemáticas. Hoje, na prática, ela é
um computador que tem conexão direta com cerca de 40 mil itens do estoque e é
capaz de determinar, ao fim do dia, quanto foi vendido de cada produto. “O
operador de caixa tem de ter 2.º grau e conhecimentos básicos de informática. A
exigência é grande para uma remuneração na faixa de R$ 1,1 mil”, diz o presidente
do Sindicato dos Comerciários e da União Geral dos Trabalhadores, Ricardo
Patah.
De fato, com a grande oferta de
mão de obra e a evolução tecnológica, as exigências das empresas na hora de
contratar têm aumentado. Nos últimos 12 meses até março, 12% dos contratados
para a função de vendedor de loja estavam cursando faculdade ou tinha já
concluído o curso superior e 76% tinham ensino médio completo, aponta
levantamento feito com base nas informações do Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados pelo professor sênior da FEA-USP Hélio Zylberstajn. O quadro se
repete para balconista de farmácia, outra ocupação que, teoricamente, não
exigiria tanta qualificação, já que o salário médio é de R$ 1,3 mil.
Nesse caso, 83,2% dos admitidos
nos últimos 12 meses até março têm ensino médio completo e quase 10% estão
cursando ou concluíram a universidade.
Deslocamento
“Quem tem pouca escolaridade
neste momento está tendo muita dificuldade de encontrar emprego porque parte
das vagas que poderia ocupar está sendo preenchida por pessoas que têm formação
maior do que a necessária”, afirma Zylberstajn. Ele diz que esse movimento de
deslocamento da mão de obra ocorre em períodos de recessão prolongada.
Para Lucila Sciotti,
superintendente de operações do Serviço Nacional do Comércio (Senac) São Paulo,
é preciso haver esforço maior, por parte do poder público, de aproximar a
capacitação que é oferecida aos estudantes das necessidades das empresas.
“Muitas vezes, a formação dos profissionais é deficitária. Alguns alunos chegam
até nós sem saber fazer contas simples ou têm dificuldade em interpretar
textos”, diz. “É preciso direcionar as políticas públicas para resolver esses
gargalos.”
Diante da falta de qualificação
barrando as contrações, Patah diz que no último Mutirão do Emprego promovido
pelo sindicato foram ofertados também cursos gratuitos de qualificação em
parceria com Senai, Senac e Centro Paula Souza. Ao todo foram cerca de 1, 3 mil
vagas. Das mil vagas oferecidas pelo Centro Paula Souza, 450 pessoas se
matricularam nos cursos de estoquista, assistente administrativo, confeiteiro,
cuidador de idosos, maquiagem, recepção e atendimento e vitrinista. “Pela
primeira vez fizemos mutirão com capacitação: mais do que aumento salarial, o
importante hoje é qualificar o trabalhador”, afirma.
No próximo evento programado para
julho, Patah diz que devem ser oferecidas, no mínimo, 10 mil vagas. A intenção
é atender também aos trabalhadores em situação vulnerável, com vagas para
ocupações que exigem menos qualificação, como na área de limpeza, por exemplo.
Frustração
Após horas de espera para deixar
um currículo no último mutirão do emprego, no qual uma fila interminável
serpenteava o Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo, os candidatos a uma
vaga voltaram para casa frustrados. Eles não sabem qual foi o real motivo para
terem sido rejeitados.
“É o currículo ou alguma coisa
que está acontecendo com a minha vida. Até na igreja já fui”, diz Renata
Cristina Gama, 35 anos e mãe de dois filhos. Desempregada há quatro anos, ela
não terminou a faculdade de pedagogia e o seu último emprego foi numa escola.
No mutirão, deixou currículos em cinco grandes empresas que estavam no evento.
Chegou a participar de minientrevistas, mas o processo seletivo não avançou.
No momento, faz um curso gratuito
de auxiliar administrativo, mas não acha que vai conseguir alguma coisa por
conta disso.
Já a ascensorista Rosemeire
Soares Ayres, de 41 anos, sem emprego há mais de um ano, acredita que quanto
mais qualificação, maior a chance de recolocação. Com o segundo grau completo,
hoje faz curso de atendimento ao público. Mas coleciona pelo menos sete cursos
rápidos. Deixou vários currículos no mutirão e não foi chamada. “Acho que é por
causa dessa crise mesmo. Abre uma vaga e vêm mil pessoas para concorrer.” As
informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Blog: O Povo com a Notícia