A ministra Maria Elizabeth Rocha, do Superior Tribunal Militar (STM),
disse considerar “gravíssimo” o caso do sargento da Força Aérea Brasileira
(FAB) Manoel Silva Rodrigues, preso na Espanha sob a acusação de transportar 39
quilos de cocaína, e que a sua punição deve ser “rigorosa”, se comprovada a
culpa no episódio.
Coordenadora de um grupo de trabalho que apresentou ao Congresso uma
proposta de atualização do Código Penal Militar, a ministra defende penas mais
duras para integrantes das Forças Armadas envolvidos no tráfico de drogas.
Atualmente, a punição máxima é de cinco anos de prisão, enquanto a Lei das
Drogas prevê pena de até 15 anos para casos envolvendo civis.
“Estou convicta sobre a necessidade de alteração do Código Penal Militar
para apenar com rigor o tráfico de entorpecentes. É inconcebível que um militar
trafique dentro de um quartel, um local onde se encontram homens armados,
investidos do monopólio da força legítima pelo Estado”, afirmou Maria Elizabeth
ao Estado. “De um militar se exige a defesa da Pátria, dos poderes constituídos
e da lei e da ordem, por isso uma conduta tão grave deve ser apenada com rigor.
Lamentavelmente, a lei vigente só autoriza ao magistrado uma condenação máxima
de 5 anos.”
A opinião de Elizabeth tem ecos no tribunal, instância máxima da Justiça
Militar federal. Além do endurecimento da pena, considerada branda, a avaliação
é de que é preciso diferenciar o uso próprio de entorpecentes do tráfico de
drogas.
Única mulher
Elizabeth representa um dos cinco magistrados civis do STM – outros 10
são militares, totalizando 15 integrantes. Única mulher a compor o tribunal
desde a sua criação, em 1808, ela ganhou visibilidade durante o julgamento dos
militares que fuzilaram com mais de 80 tiros o carro do músico Evaldo Rosa dos
Santos, no Rio de Janeiro. A magistrada deu o único voto para manter a prisão
dos envolvidos no episódio, mas foi vencida e os acusados acabaram soltos.
Sobre o caso do sargento preso ao desembarcar na Espanha, a ministra
acredita que um militar “que se valeu da farda para traficar no avião de apoio
da Presidência da República é algo inaceitável e revoltante”. “Se ficar de fato
provado que ele assim agiu, a punição deve ser rigorosa. O caso é gravíssimo”,
afirmou ela. O inquérito contra Rodrigues pode chegar ao STM.
O presidente Jair Bolsonaro afirmou anteontem que o militar pagará um
“preço alto” pelo episódio. O ministro da Defesa, Fernando Azevedo, por sua
vez, disse que “houve quebra de confiança” e que não vai “admitir criminosos
entre nós”.
Anacrônicas
Elizabeth lembra que o Congresso atualizou ao longo dos últimos anos o
Direito Penal, mas se esqueceu de fazer ajustes também no Direito Penal
Militar, resultando em leis que “se tornaram anacrônicas, defasadas pelo
tempo”.
Atualmente, o Código Penal Militar prevê pena de reclusão de até cinco
anos tanto para o consumo e para a posse quanto para o tráfico de drogas,
misturando em um mesmo artigo múltiplas situações.
A proposta do grupo de trabalho coordenado pela ministra era adequar a
legislação militar à Lei das Drogas de 2006: aumentava a pena para tráfico de
drogas (para até 15 anos) e abrandava a do consumo próprio (de seis meses a um
ano para quem oferecesse droga para consumir com outra pessoa). “O uso de
entorpecentes deve ser tratado como uma questão de saúde pública. O tráfico
como uma questão de polícia e, posteriormente, de incriminação penal. A sanção
deve ser rigorosa, pois está em jogo o bem estar social”, afirmou ela.
Na época, a proposta do grupo de trabalho de penas mais duras para
militares envolvidos em tráfico de drogas foi entregue ao deputado federal
Carlos Zarattini (PT-SP). O texto, no entanto, não avançou, a exemplo de outras
propostas que tratam sobre o endurecimento de penas para os militares. “Isso
tem de ser corrigido, mas até hoje não é uma prioridade, nem do Congresso, nem
dos militares, nem do Executivo”, afirmou Zarattini ao Estado.
O presidente da Comissão Especial de Direito Militar da OAB-SP, Fernando
Capano, disse ser favorável até mesmo a penas mais duras para um militar condenado
por tráfico do que a que existe para os civis. “De um militar se espera valores
mais sólidos, representa a institucionalidade de nosso país. Não tem lógica
tratar condutas exatamente iguais com penas tão díspares”, avaliou o advogado.
Condenação em 50% dos casos
Um levantamento feito pelo Superior Tribunal Militar (STM) aponta que
houve condenação em 50% dos casos de tráfico, posse ou uso de entorpecentes
julgados pela Justiça Militar da União de 2010 a 2018. Como posse, tráfico e
uso de entorpecentes estão enquadrados no mesmo artigo do Código Penal Militar,
o tribunal alegou que não é possível fazer a diferenciação sobre os processos
de cada uma dessas situações.
O STM, no entanto, informou que a maioria dos processos diz respeito a
pequenas quantidades de maconha apreendidas em quartéis, em posse dos
militares. Em 20% dos casos levantados pelo tribunal houve absolvição e em 29%
a punibilidade foi extinta, como nos casos de prescrição ou de morte do militar
investigado. No restante dos processos, não foi possível identificar as
informações, segundo o STM.
Quando as Forças Armadas são comparadas entre si, proporcionalmente, são
cometidos mais crimes dessa natureza no âmbito do Exército, aponta um estudo de
2015. A maconha é a substância mais comum, mas o relatório já alertava que
havia mais casos de cocaína na Aeronáutica.
“Pena que não foi na Indonésia”
O presidente Jair Bolsonaro disse na sexta-feira (29), no Japão, que o
segundo-sargento da Aeronáutica flagrado com 39 kg de cocaína na Espanha “traiu
a confiança dos demais” e “lamentou” que o caso não tenha acontecido na
Indonésia, onde há pena de morte nesses casos. “Aquele ali traiu a confiança
dos demais. Pena que não foi na Indonésia. Ele iria ter o destino que teve no
passado Marco Archer”, afirmou Bolsonaro, citando o caso do brasileiro fuzilado
em 2015 por tentar entrar no país asiático com 13 quilos de cocaína.
Bolsonaro disse ainda que pediu para a Aeronáutica investigar o
sargento. “O que nós queremos das Forças Armadas é que seja levantada toda essa
rede na qual ele está no meio dela. No meu avião, todos são revistados. O meu
material é aberto antes de embarcar”, afirmou.
Preso desde terça-feira (25) na Espanha, Manoel Silva Rodrigues
conversou anteontem com a família, por telefone. Ele está recebendo assistência
consular do Ministério das Relações Exteriores, prestado a cidadãos brasileiros
no exterior. Um pedido de extradição é descartado no momento, já que não há
condenação no Brasil.
Rodrigues, que é comissário de bordo, fazia parte da comitiva de 21
militares que acompanha a viagem de Bolsonaro ao Japão, onde o presidente
participa do G-20. O avião da Força Aérea Brasileira (FAB) em que estava o
militar é usado como reserva da aeronave presidencial e, portanto, a comitiva
não fazia parte do voo que transportou o presidente. A droga foi achada na
bagagem do sargento ao desembarcar em Sevilha, na Espanha, primeira etapa da
viagem.
Após o episódio, a Aeronáutica montou um grupo de trabalho para revisar
procedimentos de segurança em aeronaves militares que sirvam à Presidência ou à
Força Aérea. Desde terça-feira, quando a prisão ocorreu, as bases aéreas mais
estruturadas, como a de Brasília, já estão sendo mais rígidas nos controles de
bagagens e nos acessos às aeronaves que dali decolam.
O Ministério da Defesa admite, nos bastidores, falha de vistoria no voo
que levou Rodrigues à Europa. A justificativa para que o controle não fosse tão
rígido era de que o trabalho nas instalações militares costuma se basear na
relação de confiança, lealdade e probidade, considerados princípios
fundamentais para a carreira nas Forças. (Via: Agência Estado)
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