Concordamos quase todos que a troca de
mensagens entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol foi no mínimo imprópria, já que
há controvérsia sobre sua irregularidade. De acordo com os dados hackeados e
até aqui divulgados, o juiz e o procurador-chefe da Operação Lava-Jato trocaram
impressões sobre o caso em julgamento em pelo menos meia dúzia de vezes. Em
dado momento, o juiz orientou o procurador a ouvir uma fonte que poderia
oferecer mais elementos para o caso. Em outro, Moro e Dallagnol discutem a
oportunidade de divulgar um grampo ilegal feito de telefonema entre Dilma e
Lula.
O
episódio coloca os dois na defensiva. Dallagnol pode ser punido pelo Conselho
Nacional do Ministério Público. Moro não pode sofrer sanção de classe porque já
deixou a magistratura, mas pode ser afastado do Ministério da Justiça pelo
presidente Bolsonaro. Sua demissão provavelmente não vai acontecer, a menos que
o capitão sofra um súbito ataque ético. Sua punição deverá ser conhecida em
novembro do ano que vem. Ele pode perder a indicação para a vaga de Celso de
Mello no Supremo.
O
fato inarredável é que a troca de mensagens entre os dois protagonistas da
Lava-Jato deixou a operação frágil. Seu futuro está claramente ameaçado.
Dallagnol pode ser afastado da função e com ele desaparece o seu caráter
missionário. Outros procuradores, que atacaram Lula e PT em distintas trocas de
mensagens também hackeadas, da mesma forma podem desfalcar a operação. Sendo
incerto o seu futuro, a pergunta a fazer é o que pode ocorrer com o passado da
Lava-Jato, ou com os efeitos que a operação produziu até aqui.
A
defesa de Lula pede a anulação de todo o processo e a soltura imediata do
ex-presidente. Entende que Lula sofreu perseguição política em um julgamento
combinado entre o procurador e o juiz da causa. Esse é o problema a ser
resolvido agora. O que fazer com as sentenças dadas por Moro? Terá Lula se
tornado inocente em razão da troca de mensagens entre juiz e procurador? As
indicações de corruptos de partidos aliados para as diretorias da Petrobras
deixaram de ocorrer? O rombo bilionário nos cofres da estatal não foi feito?
O
ex-presidente já foi condenado em duas ações. Sobre elas, cabe perguntar:
1)
Lula não recebeu benefícios de empreiteiras que roubavam da Petrobras?
2) O
tríplex do Guarujá não era dele, como mostram documentos, fotos, vídeos,
depoimentos, testemunhos e delações?
3) O
apartamento não foi equipado com elevador especial e cozinha encomendada por
Dona Marisa?
4)
Lula não visitou o imóvel na companhia do dono da OAS?
5) O
sítio de Atibaia não foi reformado e depois equipado com cozinha igual à do
tríplex e pela mesma OAS?
Não,
Lula não virou inocente em razão da troca de mensagens entre Moro e Dallagnol.
Mas, suponha que este entendimento prevaleça, o processo seja anulado e Lula
colocado em liberdade. Nesse caso, por isonomia, também deve ser solto o
ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, que deu e equipou o apartamento do Guarujá e
reformou o sítio de Atibaia. Mais grave, se a teoria for para valer, a
dobradinha entre juiz e procurador contaminou toda a Lava-Jato. Nesse caso,
para se fazer justiça, deve-se suspender as 61 etapas da operação.
E o
que se obterá com isso? Em primeiro lugar, além de Lula, devem ser soltos todos
os que ainda estão presos. Entre eles, saem da cadeia Eduardo Cunha, José
Dirceu, Antonio Palocci, Geddel Vieira Lima e mais vacarezas, genus e vacaris
de PT, PP, PMDB, PSDB, PTB e SD. Os doleiros e empresários presos também devem
ser soltos. Marcelo Odebrecht pode tirar a tornozeleira, pegar de volta seu
passaporte e retomar o comando da sua empresa.
Do
ponto de vista financeiro, a Petrobras tem que devolver a empreiteiros e
políticos os R$ 2,5 bilhões que recuperou com a operação Lava-Jato. Por outro
lado, com a troca de mensagens nas mãos, a estatal pode ir a Nova York tentar
interromper o pagamento de US$ 3 bilhões que está fazendo em parcelas a
investidores americanos que perderam dinheiro com o escândalo. Pode alegar que
foi apenas uma armação de um juiz e um procurador que odiavam o PT e fizeram
isso tudo para impedir uma nova eleição de Lula. Vai que cola. (Por Ascânio Seleme/O Globo)
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