O número de policiais que cometeram suicídio no Brasil em 2018 (104) foi
maior que a quantidade que morreu em decorrência de confronto nas ruas (87),
enquanto estavam em serviço.
Para especialistas, o volume de suicídios acende um alerta sobre a
necessidade de as corporações prestarem melhor assistência à saúde mental dos
agentes.
O estresse inerente à função policial e conflitos institucionais, como
assédio moral, são apontados pela Ouvidoria da Polícia de São Paulo como fatores
que, em conjunto com outros, podem contribuir para essas mortes.
A Ouvidoria divulgou na quarta-feira (25) um relatório em que analisa os
suicídios de policiais cometidos no estado de São Paulo em 2017 e 2018 – os
dados nacionais são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgados neste
mês.
O estudo paulista compila os registros para detalhar informações como o
perfil da vítima, além de ter conversado com parentes e amigos para entender o
contexto em que a morte aconteceu. O órgão chama a atenção para a alta taxa de
suicídio entre policiais, que é de 23,9, enquanto no total da população o
número é de 5,8 por 100 mil habitantes.
Os números mostram que o suicídio é a principal causa de morte dos
policiais civis paulistas, superando as mortes decorrentes de confronto em
serviço e de folga. Na Polícia Militar, as autolesões fatais representam a
segunda maior causa de morte, atrás dos assassinatos sofridos na folga, mas à
frente dos óbitos ocasionados por confrontos em serviço.
“A pesquisa aponta que há necessidade de ampliar o suporte à saúde
mental dos policiais em São Paulo”, disse o ouvidor, Benedito Mariano. O
jornal O Estado de S. Paulo mostrou neste mês que, segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 90% dos casos de suicídio estão
associados a distúrbios mentais e, portanto, podem ser evitados com o
tratamento certo.
O estudo paulista elenca oito fatores que, em conjunto, podem contribuir
para esses casos. São eles: estresse inerente à função policial; falta de
suporte de serviço de saúde mental; depressão; conflitos institucionais;
conflitos familiares e problemas financeiros; isolamento social, rigidez e
introspecção; subnotificação de tentativas de suicídio; e fácil acesso a arma.
Os pesquisadores destacam que, corriqueiramente, os pensamentos suicidas
estão associados a problemas da saúde mental, como depressão. Mas é o estresse
inerente à função policial que é citado com destaque nessa lista de fatores. “O
policial deve começar a lidar com isso já na academia e tem de existir um programa
que o acompanhe ao longo da carreira. Não adianta só dar viatura, armamento e
uniforme e não cuidar da saúde mental”, apontou Mariano.
A psicóloga Beatriz Brambilla, do Conselho Regional de Psicologia de São
Paulo, reforça que não é uma única dimensão que produz a motivação das vítimas.
“A ideia do multicausal é que se possa compreender o fenômeno na totalidade.
Então a pessoa que está em sofrimento não está assim por uma questão interna ou
porque ela tem uma fragilidade ou inadaptação. Temos de compreender que há
questões que são do sujeito, mas que há questões sociais.”
Resiliência
O soldado Antônio Figueiredo Sobrinho, de 56 anos, tinha três anos e
meio de carreira na Polícia Militar quando reagiu a uma tentativa de assalto no
comércio onde realizava um “bico” de segurança. Correu atrás do assaltante, mas
não percebeu que um comparsa estava nas suas costas. Foi baleado e ficou
paraplégico
Acostumado à ideia de ser um herói para os filhos e de prover a sua
família, viu-se muito abalado depois do caso, pois se enxergava como um fardo
para os que tentavam ajudá-lo a se adaptar e a vencer as barreiras. “Por duas
vezes tentei suicídio Coloquei a arma na cabeça e o dedo no gatilho. Não queria
mais viver porque pensava que meus filhos não precisavam de um pai aleijado”,
disse ao jornal.
Desistiu da ideia e trilhou o caminho contrário, passando a ajudar
aqueles que enfrentavam os mesmos problemas que ele. Sobrinho ajudou a criar a
Associação de Policiais Portadores de Deficiência, que conta hoje, segundo ele,
com mais de 23 mil associados. Lá, uma série de serviços é oferecida, de doação
de cadeira de roda à assistência psicológica. “Fazemos um trabalho de
integração daquele policial de volta à sociedade.”
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo disse que as
recomendações da Ouvidoria serão avaliadas pelas áreas técnicas da pasta. Disse
que as polícias do estado “contam com sistemas de apoio e atendimento
psicológico aos seus agentes”. Além disso, a Corregedoria e a Academia também
oferecem atendimento psicológico aos agentes. “Sempre que necessário, os casos
são encaminhados ao Departamento de Perícias Médicas do Estado (DPME) para
avaliação.”
Presidente do Conselho Federal de Psicologia, Rogério Giannini disse que
a reflexão sobre a saúde mental do policial beneficia a corporação e toda a
sociedade. “A pesquisa de certo modo contribui com a ideia de humanização da
polícia. O policial é um ser humano que tem as vicissitudes de qualquer ser
humano.”
Frustração
A auditora fiscal do trabalho aposentada Maria Aparecida Almeida Dias de
Souza, de 70 anos, ainda reflete sobre as razões que levaram a irmã, a delegada
Maria Cássia Almeida Almagro, a tirar a própria vida, em julho de 2015, aos 54
anos. “Podem ter havido outros motivos, mas é certo que havia uma insatisfação
muito grande com a profissão. Ela vivia uma frustração de não poder realizar
aquilo que achava que devia fazer.” A delegada foi encontrada morta em sua
casa, em um condomínio de Sorocaba, com ferimento à bala. A perícia indicou que
ela havia se suicidado.
Maria Aparecida conta que a irmã enfrentava problemas familiares, pois
seu segundo casamento havia terminado e o único filho tinha se mudado para os
Estados Unidos. No dia anterior à morte, Cássia esteve na casa da irmã e falou
de um curso que estava fazendo na área policial. “Ela não demonstrou nada,
estava feliz, cheia de planos.”
A presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia de São Paulo, Raquel
Kobashi Gallinati, classificou a rotina do policial civil no estado como
“estafante”. “Sabemos que a profissão internacionalmente é ligada a maior
índice de suicídio. Atuamos sob pressão e tendo de gerenciar crises a todo
instante em situações adversas.”
Sugestões
O relatório da Ouvidoria termina com 11 recomendações de melhorias. À
Polícia Militar, o órgão recomenda a criação de mais 75 núcleos de assistência
psicossocial, o que cobriria quase todos os batalhões. Hoje, são 35 núcleos.
Além disso, a Ouvidoria pede que o tema da saúde mental seja incluído
nas preleções diárias das unidades e nos treinamentos. Para a Polícia Civil, o
órgão recomenda a implementação urgente de um programa de saúde mental e
contratação de psicólogos para a atividade. (Via: Agência Estado)
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