Enquanto os EUA pressionam o
governo Bolsonaro para barrar certos investimentos chineses no país, empresas
de tecnologia da China, inclusive as banidas pelo governo americano, aumentam
seus laços e suas vendas a governos do Nordeste do Brasil.
As
empresas chinesas de tecnologia Huawei, ZTE, Dahua e Hikvision, todas sob algum
tipo de embargo americano sob acusação de representarem ameaça à segurança
nacional, estão negociando ou fornecendo serviços e produtos no Nordeste.
O intercâmbio entre a China e os
nove estados nordestinos nunca foi tão intenso. Só neste ano, quatro
governadores e dois vice-governadores da região estiveram no país asiático -e a
peregrinação de secretários foi ainda maior. A China também mandou inúmeras
comitivas para os estados.
O grupo Consórcio Nordeste, formado no início do ano por governos estaduais
para promover parcerias na região, vai lançar em breve o programa Nordeste
Conectado, uma PPP (parceria público-privada) para instalar milhares de
quilômetros de fibra ótica e conectar os estados.
"A
Huawei e a ZTE estudam as etapas de tele-educação, tele segurança e tele saúde,
e estão muito interessadas no projeto Nordeste Conectado", disse à Folha o
governador do Piauí, Wellington Dias (PT). A ZTE investe no projeto Piauí Conectado,
PPP para instalação de 5.000 quilômetros de rede de fibra óptica.
Os
estados da região também querem se unir para comprar sistemas de monitoramento
para segurança pública, aproveitando a experiência do país na área. Câmeras de
companhias como Dahua Technology e Hikvision são usadas pelo governo chinês
para monitorar cidadãos da minoria muçulmana uigure na província rebelde de
Xinjian.
Segundo
Lucas Kubaski, gerente da área de pré-vendas da Dahua, o Consórcio Nordeste
está muito interessado nas tecnologias para segurança e câmeras que fazem
reconhecimento facial.
As
câmeras conseguem detectar a expressão -tristeza ou alegria, por exemplo-, além
de tipo e cor de roupa usadas e a idade aparente.
Na
China, segundo ele, as câmeras ficam posicionadas em entradas de metrô,
aeroportos, rodoviárias e conseguem mapear quem entra e sai das cidades.
"Serve tanto para segurança quanto para encontrar pessoas perdidas."
A
Dahua, que fabrica câmeras com capacidade de reconhecimento facial e que entrou
em agosto na lista de empresas vetadas pelos EUA, já fornece equipamentos para
os governos de Pernambuco e Bahia, além de participar de uma licitação do metrô
de São Paulo.
A
cidade, aliás, foi pioneira: recebeu mil câmeras em 2017.
Também
no estado de São Paulo, cujo governador, João Dória, inaugurou um escritório
comercial em Xangai neste mês, a Huawei anunciou o plano de abrir uma fábrica
para montagem de celulares, com investimento de US$ 800 milhões.
Na
Bahia, foram investidos mais de R$ 18 milhões no sistema de reconhecimento
facial da chinesa Huawei. Segundo o governo, a tecnologia permite à polícia
baiana comparar os rostos de pessoas que circulam nos locais onde as câmeras
estão instaladas com os do banco de dados da Secretaria de Segurança Pública.
O
Ceará estuda ampliar seu sistema Spia, de videomonitoramento, com parcerias com
a Dahua. Em Pernambuco, foram compradas 1.380 câmeras da mesma empresa para
segurança no metrô.
"As
empresas chinesas de telecomunicações estão participando ativamente da
cooperação de cidades inteligentes e seguras, governança eletrônica e comércio
eletrônico no Nordeste", disse à Folha a cônsul da China no Recife, Yan
Yuqing.
"Estamos
dispostos a contribuir para o desenvolvimento da tecnologia de informação no
Brasil sob o Belt and Road Initiative [BRI ou, informalmente, Nova Rota da
Seda]", afirma ela, em referência ao maior projeto do governo chinês para
ter acesso a mercados internacionais por meio de obras de infraestrutura.
Os
EUA tentam convencer o presidente Bolsonaro a seguir países como Austrália,
Nova Zelândia e Taiwan, que vetaram investimentos e produtos de empresas
chinesas para contratos públicos, fornecedores do governo ou qualquer um que
receba empréstimo do governo.
Em
visita ao Brasil no início de agosto, o secretário de Comércio dos EUA, Wilbur
Ross, alertou, em entrevista ao jornal Valor Econômico, para o perigo de
comprar tecnologias sensíveis como produtos para a rede 5G de certos países.
Também afirmou que a China obriga suas empresas a cooperarem com serviços
militares e de inteligência do Estado.
Em
resposta, o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, afirmou que esses
comentários visam a "lançar calúnias sobre produtos chineses, alegando
riscos de segurança, e a atrapalhar a cooperação econômica e comercial normal
entre a China e os demais países do mundo".
Os
EUA, com quem o Brasil vem estreitando laços diplomáticos, têm um apoio
precioso dentro do bolsonarismo. Em janeiro, o escritor Olavo de Carvalho, guru
ideológico dos Bolsonaros, criticou a ida de uma comitiva de parlamentares do
PSL à China para conhecer o sistema de reconhecimento facial do país.
"Instalar
esse sistema nos aeroportos brasileiros é entregar ao governo chinês as
informações sobre todo mundo que mora no Brasil", disse.
Um
executivo de uma empresa chinesa afirma que, com a desconfiança do governo
federal, a China aposta cada vez mais na relação com os estados.
A
relação de Jair Bolsonaro com governadores da região, a maioria deles de
oposição, é tensa. O presidente já os ofendeu, chamando-os de
"governadores de Paraíba", termo pejorativo para se referir a
nordestinos, e chegou a ameaçar restringir recursos federais para os estados.
"Não
vou negar nada para esses estados, mas se eles quiserem realmente que isso tudo
seja atendido [verbas federais], eles vão ter que falar que estão trabalhando
com o presidente Jair Bolsonaro. Caso contrário, eu não vou ter conversas com
eles", disse.
Em
carta de resposta a Bolsonaro, os governadores nordestinos afirmaram ter
recebido "com espanto e profunda indignação a declaração do presidente da
República transmitindo orientações de retaliação a governos estaduais."
Para
governadores do Nordeste, os investimentos chineses são vistos como a salvação,
em meio à penúria orçamentária da maioria dos estados e a economia anêmica no
país.
"O
único país que investe maciçamente é a China, que ainda oferece empréstimos do
banco de desenvolvimento com juros subsidiados", diz o vice-governador do
Maranhão, Carlos Brandão (PRB), que foi seis vezes à China desde 2016.
"O
Brasil está em recessão, e os estados brasileiros migraram para a China, já que
no Brasil não conseguimos investimento. Aqui as empresas estão esperando a
reforma tributária, da Previdência."
Para
Brandão, essa briga deve ter final semelhante à iniciativa de transferir a
embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém. Após forte reação negativa,
foi engavetada.
"Vamos
trabalhar com todos os países que aqui queiram investir, e a China é quem tem
melhores condições; os interesses do povo brasileiro vão prevalecer,
independentemente das ideologias", diz Dias, governador do Piauí.
Para
Camilo Santana (PT), governador do Ceará, a China, com a Huawei, oferece o que
há de melhor em tecnologia. "É um equívoco do Brasil manter essa postura,
precisamos é ampliar nossas relações com a China", afirma.
Questionada
sobre a possibilidade de a pressão americana prejudicar os negócios das
empresas chinesas no Brasil, a cônsul Yan Yuqing afirma que "todos os
estados do Nordeste criaram oportunidades para as empresas progredirem".
"A
China e o Brasil possuem amplos interesses em comum. Acreditamos que o governo
brasileiro, juntamente ao chinês, poderá defender o sistema de comércio
multilateral e as regras do comércio mundial."
Para
o advogado Walfrido Warde, presidente do Instituto para Reforma das Relações
entre Estado e Empresa , com esses investimentos, o governo chinês está
demonstra que tem interesse duradouro no Brasil, e não quer apenas acesso a
matérias primas.
"Cabe
ao governo Bolsonaro saber explorar a guerra comercial entre EUA e China."
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Confira lista de grandes investimentos e projetos chineses no Nordeste
Maranhão
Construção do porto de águas profundas no Porto
de São Luís pela China
Communications Construction Company (CCCC)
Negociações para compra de câmeras de reconhecimento
facial
Piauí
Investimento em energia
eólica e solar pela
CGN Energia
Fornecimento para o
projeto Piauí Conectado, com 5.000 km de rede de fibra ótica, pela ZTE
Bahia
Participação do projeto da ponte
Salvador-Itaparica por CCCC, CR20 (Railway 20 Bureau Group) e China Tiesiju
Civil Engineering Group
Investimento em energia
renovável da CGN
Energy
Investimento de mais de
R$ 18 milhões no
sistema de reconhecimento facial da Huawei para videomonitoramento
Projeto do veículo leve de transporte
(VLT) do consórcio
Skyrail Bahia, composto pela chinesa BYD e Metrogreen
Pernambuco
Metrô de Pernambuco instalou
1.300 câmeras Dahua de alta resolução
Governo negocia câmeras da Dahua com
reconhecimento facial
Compra de parte de uma
empresa de distribuição
de combustível pela
Petrochina
Paraíba
Prevê licitação para compra de câmeras com reconhecimento
facial
Participação da chinessa IMC-YY no
estaleiro em Lucena
Ceará
Construção de 5.800 km de fibra óptica, realizada pela
China Unicom
Ampliação do sistema de
videomonitoramento Spia com possível
participação de
empresas chinesas como a Dahua
Fornecimento de
tecnologia na área
da saúde pela
empresa chinesa Meheco
Rio
Grande do Norte
Investimento de US$ 2
bilhões da State
Power Investment Corporation (SPIC) em energia eólica
e solar
Negocia investimentos em
tecnologia por empresas chinesas
Alagoas
Investimento na fábrica de embalagens da
chinesa GsPak
Blog: O Povo com a Notícia