Por Nill Júnior
Nunca escondi de minha gratidão a uma trinca de pessoas que ajudaram a dar identidade a um jovem de 16 anos que, tendo perdido o pai um pouco antes, Nivaldo Alves Galindo, ajudaram a gerir os rumos de toda minha vida.
A Padre Luis Marques Ferreira, o Luizinho, que me “achou” em
um grupo de jovens e viu potencial para me apresentar ao rádio, ao Monsenhor
João Carlos Acioly que foi uma referência paterna e me forjou nos valores que
defendo e Anchieta santos, que me descobriu para o rádio profissional.
Sempre disse que sou da escola “Anchieteana”, desde que
aquele vozeirão me chamou no corredor da Rádio Pajeú perguntando: “Nivaldo,
você gosta de futebol?” Até hoje brinco que mesmo que não gostasse, diria que
sim, pois ele na verdade me sondava para integrar a equipe esportiva Seleção do
Povo, uma espécie de máquina de produzir radialistas, tendo ele como o chefe de
produção.
O primeiro teste foi de testa na
casa dele, quando morava quase em frente onde hoje é a UPA. “Você tem jeito, se
tiver vontade”, disse com cara de quem gostou do que ouviu.
Segui, indo de plantão esportivo a repórter. Na primeira
transmissão como plantonista, com um rádio de pilha, sintonizava a Rádio Clube
ou a Jornal e corria quando saía cada gol de um time do estado. Ele, o
narrador, terminou a transmissão me fazendo um elogio público. “Quero
parabenizar o jovem Nivaldo Júnior pelo show no plantão”. Isso, Nivaldo
Júnior, porque ele achava que o Filho não pegava bem. Fui virar Nill quando saí
da rádio para trabalhar na Transertaneja, que prometia salário melhor que
o pinga pinga das transmissões esportivas. Ele
ficou arretado por a Rádio me deixar ir. “O menino crescendo e vão deixar ele
sair daqui?” – esbravejava…
Voltei pra Pajeú pouco depois. Assim como para ele, a Pajeú
era minha casa, nosso grande amor. Lembro do convite para volta e da festa que
ele fez na chamada me anunciando como grande atração na cobertura dos Jogos
Escolares de 1994. Só saí da Pajeú uma única vez e com ele, quando fomos
trabalhar no projeto de restauração da Rádio Cardeal Arcoverde, em 1998. Praticamente
moramos juntos esses meses. Nas idades e vindas no seu Vectra, aprendi a gostar
de Lenine, ainda mais de Belchior, Fagner, Zé Ramalho, fruto de seu gosto
alinhado com o que é bom. Ou seja, até na minha formação musical ele foi
importante, somado aos bons vinis do Padre João.
Voltamos a ficar juntos um tempo depois na nossa casa, a
Rádio Pajeú, até aquele 18 de junho, último dia em que estivemos juntos na
rádio e com ele. “Até a volta se Deus quiser”, disse quase sucumbindo às fortes
dores de cabeça. Foi tão firme na luta contra a doença como era ao
microfone, sem titubear, sem medo, com força e esperança. A maior preocupação
mesmo com um problema desse tamanho era uma entrevista agendada para o sábado
com o promotor Lúcio Almeida Neto, que criticara dias antes pela liberação das
fogueiras. No fundo, estava com receio de acharem que estava indo antes pra não
enfrentar o promotor. Logo ele, que da vida à morte enfrentou tantos políticos
corruptos, desalmados e podres sem medo.
Brincamos muito até pouco antes do procedimento. Ele contando
de um almoço com Geraldo Freire, Evaldo Costa e Daniel Bueno. Eu, de uma
brincadeira que tinha tirado com Aldo Vidal. Ele riu muito. “Bom pra
descontrair numa hora dessas”. Falava em “desarmar a bomba relógio” e que Jesus
comandaria a cirurgia, contando com as orações. O que foi possível aos homens
foi feito. Mas não era a vontade de Deus que Anchieta voltasse a soltar seu
vozerão. Entre a invalidez e a morte, Deus nos indicou que ele começaria uma
nova caminhada, sem a gente perto, como foi nos últimos 30 anos de nossas
vidas. É como se dissesse: “essa vida, sem a Rádio Pajeú, minha família, meus
amigos, não me serve”…
Se deu pra perceber, não há nada que eu pudesse fazer que
pagasse minha dívida de gratidão a Anchieta Santos. Ele está em mim a cada
palavra que pronuncio, a cada vez que defendo os desiguais, a cada brincadeira,
a cada texto, a cada suspiro e voz solta na Rádio Pajeú na Rádio Pajeú.
Sabendo que esse débito me colocaria no SPC de minha própria alma, decidi que o melhor
gesto, a melhor forma de pagar quem me deu a identidade que se reproduz nos
meus próprios filhos, portanto, algo muito mais profundo que se possa imaginar,
é com o exemplo, a entrega e a retidão.
Porque a cada vezes que ele ouvia alguém falar de mim, do
homem que me tornei, do profissional que busco ser, do pai e marido que sou, do
amigo brincalhão que o abraçava e beijava a cada encontro, sei que tinha no
coração a certeza de que valeu a pena acreditar em mim. Que se orgulhava ao falar
de quem me tornara, que sabia do seu papel e importância da construção dessa
vida.
Esse compromisso não morre com ele. Porque Anchieta Santos
vive em mim…
Com Deus, Anchieta. Muito obrigado!!
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