O presidente do Supremo Tribunal
Federal, Dias Toffoli, afirmou à Folha de S.Paulo que Estado que não quer estar
sob o controle do Judiciário é "fascista e policialesco".
A declaração foi dada nesta quarta-feira (17), um dia depois de ele
atender a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e suspender investigações
criminais pelo país que usem dados detalhados de órgãos de controle -como Coaf,
Receita Federal e Banco Central- sem autorização judicial.
"Só não quer o controle do Judiciário quem quer Estado fascista e
policialesco, que escolhe suas vítimas. Ao invés de Justiça, querem vingança",
disse o ministro, nas suas primeiras declarações após a polêmica decisão.
Na prática, o presidente do Supremo paralisou a apuração realizada pelo
Ministério Público do Rio de Janeiro sobre o filho mais velho do presidente
Jair Bolsonaro (PSL).
Toffoli afirmou que sua decisão vai além do caso de Flávio e que "é
uma defesa de todos os cidadãos".
"É uma defesa de todos os cidadãos, pessoas jurídicas e instituições
contra a possibilidade de dominarem o Estado e, assim, atingirem as pessoas sem
as garantias constitucionais de respeito aos direitos fundamentais e da
competência do Poder Judiciário", declarou.
A suspensão determinada por Toffoli também atinge outro inquéritos,
procedimentos de investigação criminal (tipo de apuração preliminar) e ações penais
em todas as instâncias da Justiça, baseados em informações dos órgãos de
controle. A determinação tem potencial de afetar desde casos de corrupção e
lavagem, como os da Lava Jato, até os de tráfico de drogas.
Toffoli rebate as críticas de que a decisão suspenderá todas as apurações
sobre lavagem de dinheiro no Brasil, como afirmou o coordenador da Lava Jato no
Rio, o procurador Eduardo El Hage.
"Nenhuma investigação está proibida desde que haja prévia autorização
da Justiça", disse.
"Qual seria a razão de não pedir permissão ao Judiciário? Fazer
investigações de gaveta? 'Prêt-à-porter' contra quem desejar conforme
conveniências?", questiona o presidente do Supremo.
"Não se faz Justiça por meio de perseguição e vingança sem o controle
do Poder Judiciário", ressaltou o presidente do Supremo.
A decisão de Toffoli é de segunda-feira (15). A defesa de Flávio alegava
que, na prática, seu sigilo já havia sido quebrado antes da decisão judicial,
pelo fato de a Promotoria ter obtido dados detalhados do Coaf.
A investigação sobre Flávio começou com compartilhamento de informações do
Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) –depois disso, a Justiça
fluminense autorizou a quebra de sigilo bancário.
As suspeitas tiveram origem na movimentação atípica de R$ 1,2 milhão nas
contas de seu ex-assessor Fabrício Queiroz de janeiro de 2016 a janeiro de
2017.
Os advogados do senador alegaram ao Supremo que havia, em discussão na
corte, um tema de repercussão geral (que afeta os desfechos de todos os
processos semelhantes no país) tratando justamente da possibilidade, ou não, de
compartilhamento de dados detalhados por órgãos de controle sem prévia
autorização judicial.
A defesa do filho de Bolsonaro disse que o Ministério Público do Rio
utilizou-se do Coaf para criar "atalho" e se furtar ao controle da
Justiça.
"Sem autorização do Judiciário, foi realizada devassa, de mais de uma
década, nas movimentações bancárias e financeiras do requerente [Flávio] em
flagrante burla às regras constitucionais garantidoras do sigilo bancário e
fiscal", afirmou.
Para a defesa, todos os casos que têm essa controvérsia deveriam estar
suspensos até a decisão final sobre o assunto de repercussão geral.
Toffoli concordou com a argumentação, sob a justificativa de evitar que, no
futuro, quando o STF decidir a respeito, os processos venham a ser anulados. O
debate sobre o tema está previsto para ser realizado no plenário em 21 de
novembro.
Em outras oportunidades, Flávio já havia tentado anular a investigação
referente a si, tanto no Supremo como na Justiça do Rio, mas teve os pedidos
negados.
Agora, a defesa do senador pegou carona em um processo que já tramitava na
corte e que debate a questão do sigilo de modo mais amplo -apesar de também ter
nascido de um recurso relativo a um caso concreto, de relatoria de Toffoli, que
está em segredo de justiça no STF.
Trata-se do tema 990 da repercussão geral, que debate a
"possibilidade de compartilhamento com o Ministério Público, para fins
penais, dos dados bancários e fiscais do contribuinte, obtidos pela Receita
Federal no legítimo exercício de seu dever de fiscalizar, sem autorização
prévia do Poder Judiciário".
Em sua decisão, Toffoli citou a "higidez constitucional da intimidade
e do sigilo de dados". Disse que os fundamentos apresentados pela defesa
de Flávio eram "relevantes" e que a situação se repete em outros
casos em que órgãos de fiscalização e controle, como Fisco, Coaf e Banco
Central, possam ter transferido automaticamente ao Ministério Público, para
fins penais, informações sobre movimentação bancária e fiscal dos contribuintes
em geral.
Segundo o ministro, o plenário do STF já decidiu anteriormente que "o
acesso às operações bancárias se limita à identificação dos titulares das
operações e dos montantes globais mensalmente movimentados, ou seja, dados
genéricos e cadastrais dos correntistas, vedada a inclusão de qualquer elemento
que permita identificar sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles
efetuados".
"De mais a mais, forte no poder geral de cautela, assinalo que essa
decisão se estende aos inquéritos em trâmite no território nacional, que foram
instaurados à míngua de supervisão do Poder Judiciário e de sua prévia
autorização sobre os dados compartilhados pelos órgãos administrativos de
fiscalização e controle que vão além da identificação dos titulares das
operações bancárias e dos montantes globais", escreveu Toffoli. (Via: Agência Brasil)
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