MP que altera lei do FGTS entrega
o que não deveria ter sido tomado
A recente MP 889, de 24 de julho, que alterou a Lei 8.036, de 11 de maio
de 1990 (FGTS), com o propósito de fomentar o consumo e melhorar a economia,
pretende devolver ao trabalhador parte do salário que foi transferido para os
cofres do Estado e, sem tempo, escancarou de vez com o romantismo que alguns
ainda atribuíam ao FGTS como formação de patrimônio a longo prazo e
aposentadoria tranquila após 30 ou 35 anos de trabalho.
A Constituição Federal de 1988 foi para o país uma rara oportunidade de,
no campo do Direito social e trabalhista, oportunizou aos constituintes a
criação de uma sociedade mais justa, proporcionando a todo cidadão condições de
trabalho dignas. Imbuída do ideal de consolidar conquistas, tornou obrigatório
o regime do FGTS, inserindo-o como um direito de qualquer relação de emprego,
abrangido pelo caput do artigo 7º, revogando o regime da CLT. Na outra mão,
extinguiu o regime da estabilidade da CLT.
Na sua origem, o FGTS conviveu com a antiga indenização por tempo de
serviço, prevista na Constituição Federal de 1937 e, depois, na Consolidação das
Leis do Trabalho. A partir da previsão do artigo 7º da CF de 1988, dentre um
dos direitos assegurados aos trabalhadores urbanos e rurais, adquiriu nova
roupagem jurídica. A permanência no mesmo emprego por longos anos já se
evidenciou, neste início de século, totalmente inaplicável, porque a nova
geração de trabalhadores busca de forma inquieta outros desafios e colocações
que possam trazer mais oportunidades, fragilizando a aderência ao emprego.
O regime da CLT contemplava o apego à empresa e ao tempo de serviço com a
finalidade de assegurar ao trabalhador a continuidade do vínculo que seria
premiado com a aposentadoria. O regime do FGTS, de forma mais ágil, trouxe para
o empregador maior controle dos postos de trabalho e permitiu rever o modelo da
estabilidade decenal que parecia provocar certo atraso no crescimento das
empresas.
Desde então, tem sido notável a transformação do FGTS em qualquer forma de
obrigação, longe de equivaler a tempo de serviço e poupança e sua desvinculação
definitiva da hipótese de regular a indenização por dispensa arbitrária ou sem
justa causa.
Pelo regime do FGTS, o Estado se apropriou do crédito dos trabalhadores
sob o pretexto de promover ao trabalhador uma segurança econômica, limitando o
acesso aos valores dos empregados titulares da conta a ele vinculada.
O Plenário do STF (ARE 709.212) declarou que as normas que tratam da
prescrição trintenária para os depósitos do FGTS, especificamente os artigos
23, parágrafo 5º, da Lei 8.036/1990 e 55 do Regulamento do FGTS, aprovado pelo
Decreto 99.684/1990, são inconstitucionais porque o FGTS está garantido como um
direito aos trabalhadores urbanos e rurais e que deve, assim, sujeitar-se à
prescrição de cinco anos. Agora, o direito ao FGTS se confunde com qualquer
outro direito/crédito trabalhista, prescrevendo em cinco anos.
Aqui talvez tenha iniciado o desmanche da ideia de formação de patrimônio
profissional para que o trabalhador possa usufruir na aposentadoria. A hipótese
de continuidade do FGTS estava baseada na preservação da relação de emprego
clássica, e a evolução dos modelos de relações de trabalho teriam exigido outro
tratamento.
Essa decisão fez o TST rever a Súmula 362 e adotar a prescrição
quinquenal, que terá início em novembro. Já a Lei 13.467/2017, ao permitir a
dispensa por acordo e reduzir a multa de 40% para 20% sobre os depósitos
mensais, com acesso a 80% dos respectivos valores, inaugurara o segundo momento
do desmanche porque não importava mais o emprego, e o FGTS poderia atrair
trabalhadores que quisessem romper o contrato, aliviando o custo da rescisão
para o empregador.
Todavia, a MP 889 não abandona o controle sobre o recolhimento. Chama
atenção seu artigo 21, que se refere ao pagamento direto pelo empregador ao
empregado como obrigação inadimplida (“Para fins de apuração e lançamento,
considera-se não quitado o FGTS pago diretamente ao trabalhador, vedada a sua
conversão em indenização compensatória”), condição esta que obrigará a revisão
do descritivo de verbas sem natureza salarial por ocasião de acordos judiciais.
A liberação de depósitos de fato, devolve aos trabalhadores a apropriação
dos próprios salários. A exemplo de 2017, quando os valores das contas inativas
foram entregues aos trabalhadores titulares do direito, a cortesia é feita com
chapéu alheio, ou seja, entrega-se o que não deveria ter sido tomado. Não há
bondades!
Por Paulo Sergio João é advogado e professor de Direito Trabalhista da PUC-SP
e FGV. - Via: Blog do Jamildo.
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