Um dia depois de aprovar a reforma da
Previdência em primeiro turno na Câmara dos Deputados, o presidente da Casa,
Rodrigo Maia (DEM-RJ), concedeu entrevista ao GLOBO na qual falou sobre os
próximos passos da agenda econômica . Embora ainda seja preciso aprovar a
proposta em segundo turno no plenário da Câmara, Maia apontou três novos eixos:
reforma tributária , reestruturação de carreiras do funcionalismo e reforma
social . Essa última envolve ações para melhorar a alocação do dinheiro
público. Segundo Maia, “para recuperar o respeito da sociedade, o parlamento
precisa assumir seu protagonismo”.
Segundo
Maia, é preocupante o governo não ter uma agenda num momento em que houve
aumento da pobreza e do desemprego. Para ele, a liderança do governo no
Congresso não tratou dos interesses dos mais pobres na reforma da Previdência e
sim das corporações que ajudaram a eleger o presidente Jair Bolsonaro.
– O
que a gente quer é que o governo dê certo. Demos uma demonstração disso, e
esperamos que eles possam olhar para os brasileiros mais pobres. O presidente
Bolsonaro sempre representou corporações, que têm estabilidade no emprego. Esse
é um eleitor que não passa fome, não fica desempregado – afirmou Maia.
Leia a íntegra da entrevista:
Aprovada a Previdência na Câmara, a agenda reformista veio para
ficar?
Meu
sentimento é que sim. A agenda das reformas tem um objetivo. Ninguém quer
reformar por reformar. Os deputados estão brigando por R$ 10 milhões de
emendas, enquanto a Previdência está tomando da gente R$ 50 bilhões a mais a
cada ano. Estamos perdendo esse montante para financiar uma distorção em
detrimento de podermos atender ao eleitor que nos trouxe ao parlamento.
Quais são os grandes temas que vêm pela frente?
Além
da Previdência, reestruturação de carreiras, reforma tributária e reforma
social. Esta última, a Câmara pode fazer. A (deputada) Tábata (Amaral)
trouxe aqui o (economista) Ricardo Paes de Barros para falar sobre a rede de
proteção dos trabalhadores. Estamos trabalhando para avaliar a aplicação desses
recursos e qual é o melhor formato a ser proposto.
O que seria a reforma social?
Você
precisa primeiro avaliar os programas que existem. A aplicação do Bolsa
Família. Como ter um formato onde você possa, de fato, trabalhar com foco na
educação da primeira infância e na evasão no final do ensino fundamental. Como
estimular que as crianças entrem mais cedo na escola e fiquem mais tempo na
escola. E estudar os incentivos. Por exemplo, o da cesta básica. Existem economistas
que têm convicção de que os R$ 14 bilhões que nós damos como incentivos não
chegam na ponta no preço do produto. Temos que pegar tudo o que existe e ver a
melhor forma que alocar os recursos, criar programas com recursos existentes,
discutir a melhor forma de usar o FGTS. A gente tem um idoso abaixo da linha da
pobreza para cinco crianças por uma decisão política do BPC (Benefício de
Prestação Continuada), que ninguém tem coragem de mexer. A gente tomou uma
decisão de alocar recursos no idoso em detrimento da criança.
O senhor acha que se deve mexer no BPC?
Eu
acho que hoje é impossível mexer no BPC. Mas ele é uma alocação de recursos
numa parte da sociedade em detrimento de outra. Como não tem recurso para tudo,
o volume que você tem para investimentos na criança está menor do que deveria
em relação ao idoso.
Como estão as discussões sobre a reforma tributária?
Estamos
esperando a proposta do governo e vamos apensar na nossa.
Por que o Congresso apresentou uma proposta?
O
Marcos Cintra (secretário da Receita) foi muito agressivo com o parlamento lá
atrás, dizendo inclusive que não precisava do parlamento para fazer a reforma
tributária. Não sei em que país ele está, se ele está citando a Venezuela. Mas
no Brasil é impossível a gente fazer sem o parlamento. Se o secretário é
mantido numa relação de confronto com o parlamento, entendemos que deveríamos
começar nosso processo de discussão da matéria. Não contra o governo, mas vamos
tocar a nossa vida.
O que faz o senhor acreditar que vai ser possível tocar a
reforma tributária, especialmente que inclua estados?
Os
estados não estão contra uma legislação única de ICMS. A preocupação deles é
que apenas uma alíquota é ruim. Só que você pode calibrar. Não é mais Brasil e
menos Brasília? Também temos que ver como resolve a Zona Franca e o setor de
serviços. Você está gastando muito dinheiro para ter muito menos emprego na
Zona Franca. Não quero acabar com a Zona Franca, mas tem que ter uma alocação
melhor de recursos.
A reforma tributária é viável para 2019?
Não
tenho como aferir. O que eu disse é para tomar cuidado com debate no varejo.
O tema da Câmara é a reforma tributária?
Não.
Eu acho que tem muitos projetos em que a gente pode ajudar o setor privado. Tem
o projeto de lei da recuperação judicial. Está pronto e a partir de agosto
começa a tratar com líderes. O projeto de saneamento, que está pronto para
votar em agosto. O projeto do Fundeb. Outro eixo, que é muito sensível, é o da
saúde privada. Ela hoje inviabiliza o acesso de quem tem menos recursos. Há a
necessidade de (o plano privado) cobrir tudo. A legislação, que deveria ser uma
ampla desregulamentação, é uma regulamentação excessiva que prejudica a
necessidade de ter mais pessoas na base do setor privado. O problema é que eu
tenho certeza de que nenhum ente federado vai ter recursos para investir na
área de saúde nos próximos 10 anos.
Tem projeto para isso no Congresso?
Tem
um projeto que eu fiz com o Rogério Marinho (ex-deputado e atual secretário de
Previdência). Nos últimos anos, os planos de saúde passaram a ter situação
parecida com o setor público. A área de saúde tem que ter uma solução. E acho
que a educação também. O acesso à creche não se dará pelo setor público nos
próximos anos. Ou não vai acontecer nada ou vamos ter que construir um modelo
híbrido entre público e privado, com referência pública, mas privado. Se eu
resolver o problema de vaga em creche em todos os municípios, pelo menos 70%
dos municípios não vão aceitar. É um problema de financiamento. O setor público
não fará.
O senhor está apresentando uma extensa agenda que vai desde a
tributária até políticas de ponta. O protagonismo que o Congresso ganhou na
reforma também vai seguir para outras áreas?
Eu
acho que há um divórcio da política com a sociedade. E a gente só vai acabar
com esse divórcio quando a gente assumir a nossa responsabilidade. Por que eu
entrei na reforma da administração pública? Em 2005, eu era líder do PFL e
segurei 30 MPs para não deixar aprovar o plano de cargos e salários do
Judiciário. Eu dizia que aquilo ia acabar com as carreiras do setor público
porque eles colaram o piso salarial no teto. E essa aprovação, porque eu não
aguentei a pressão e fiquei sozinho, desorganizou o setor público brasileiro
nos três poderes.
Qual é o cenário hoje?
Hoje,
não tem mais carreira nos três poderes. E vejo pela Câmara, aonde um servidor público
chega no teto em poucos anos. Não há estímulo para galgar para chegar no topo.
O que aconteceu nos últimos anos? A AGU criou a sucumbência, a Receita criou o
bônus. O ser humano precisa de estímulo. Na hora em que você já está no teto,
qual é o estímulo que você tem para acordar de manhã e ir trabalhar? E o Estado
ficou caro. O custo da mão de obra no serviço público, no governo federal é 67%
mais caro que seu equivalente no setor privado. Na média dos estados é 30%. Tem
que reorganizar. Não quero fazer reforma para trás, mas tem que fazer. A Câmara
dos Deputados custa R$ 4 bilhões sem deputado. No total, custa R$ 5,5 bilhões.
E quem é o protagonista da agenda reformista?
Há um
divórcio da sociedade com a política. A política sempre é comandada pelo Executivo.
A gente só tem um encaminhamento para que a gente recupere esse protagonismo: é
a gente ter coragem de enfrentar os temas áridos. O custo do estado brasileiro
nos últimos anos aumentou 6%, 7% acima da inflação. Não tem como a sociedade
brasileira pagar essa conta. Não é que eu ache que a Câmara quer um
protagonismo, ela precisa recuperar seu protagonismo nessas agendas. Porque
quando você atende todas as corporações – e não estou culpando ninguém – , mas
poucos segmentos foram atendidos no orçamento público, ele está completamente
engessado e eu não consigo recurso para o município que me elegeu. Nós fomos
capturados pelas corporações públicas e privadas e não conseguimos fazer
política social para nossos eleitores. É uma equação completamente irracional e
que afastou o parlamento da sociedade.
E que impacto isso tem nos estados e municípios?
Para
que serve o prefeito hoje além de tentar pagar salário e aposentadoria? Para
nada. Não tem mais dinheiro para investir. Se nós não reformarmos, a gente vai
continuar distante da sociedade. Porque qual a política pública que poderá ser
implementada na qual o político vai estar valorizado? Nenhuma. A gente só vai
conseguir, com o modelo que está colocado, sem reformar o Estado, estar mais
longe da sociedade. Porque a saúde, a educação, a segurança vão continuar
piorando. O estado vai continuar tentando tirar mais dinheiro da sociedade para
financiar sua estrutura básica.
E o Orçamento vai ficando mais engessado…
Enquanto
não jogarmos isso aqui (despesa) para baixo, a política vai continuar sendo
atacada, não apenas pelos seus erros éticos, mas por seus erros políticos, de
ter entregue o orçamento público a poucos. Aí fica essa briga: libera
orçamento, emenda. A gente está discutindo um orçamento que tem, de fato, um
capacidade de investimento de R$ 50 bilhões em cima de R$ 1,5 trilhão de
orçamento. A política tem que ter coragem de falar assim: nós construímos esse
monstro, vamos desfazer o monstro. Acho que o resultado da Previdência é a
primeira votação de uma certa compreensão do parlamento disso. E o parlamento
tem essa compreensão majoritária hoje porque a sociedade tem.
Tem espaço para aumento de impostos hoje?
A
sociedade está vendo que cada dia vai ter mais necessidade de tirar da
sociedade. Agora vem: recria CPMF, recria imposto… Essa parte de aumento de
imposto não passa no parlamento, então nós temos de fazer a outra. Se a gente
recuperar a capacidade de investimento do governo federal e voltar a poder
investir 20% do orçamento, se voltarmos a ter um orçamento de R$ 250 bilhões,
R$ 300 bilhões, a política vai estar se reaproximando da sociedade. Então, se
eu quero estar na política, é para ser valorizado pela sociedade, não para
estar sendo muitas vezes humilhado pela sociedade, porque a sociedade acha que
isso aqui não serve pra nada. Se a gente for manter tudo do jeito que está
apenas para ser aplaudido por pequenos grupos de interesses públicos e
privados, que não serão nem atendidos no médio e longo prazo, vamos estar na
política para quê? É melhor sair da política.
Como fica o pacote anticrime na agenda?
A
comissão está votando os projetos e vamos avançar. O problema é que antes de
reformar o estado não dá para tratar de investimento. Acho que a área de
segurança precisava de uma grande reforma do sistema penitenciário, uma grande
discussão sobre esse tema. A melhoria das leis é importante, mas você tem um
problema no sistema que precisa ser resolvido. O pacote tem temas que vão ser
aprovados, que são de boa qualidade, mas são coisas soltas. Ele não traz uma
grande reforma na área de segurança pública no Brasil. Aliás, nós fizemos muita
coisa nesse tema e foi desmontado no governo. Criamos sistema integrado de
segurança que é fundamental, deu condições de as polícias trocarem informações.
O presidente Michel Temer teve a coragem de criar o Ministério da Segurança
Pública, que nenhum outro governo teve. Porque nenhum outro presidente quis
assumir a responsabilidade da segurança pública, sempre quis transferir para os
governadores, e isso foi desorganizado. Acho que acabar com o ministério da
Segurança foi um erro. O projeto vai melhorar alguns pontos, mas, pelo que ouço
de especialistas, ele não traz uma solução sistêmica para a área de segurança.
Mas vai votar rápido, não vai demorar não.
A aprovação da reforma foi uma vitória para o governo, a quem o
senhor disse faltar diálogo. Por que o parlamento vai se engajar em outras
agendas que favoreçam o governo?
Para
recuperar o respeito da sociedade, o parlamento precisa assumir seu protagonismo.
A gente aprovou a reforma pelos brasileiros que nós representamos. Em um país
com a pobreza no nível que está, com as campanhas de combate à fome voltando,
não dá para a gente ficar preocupado se vai beneficiar o governo. A reforma da
Previdência beneficia o Estado. E os projetos que beneficiem o Estado nós vamos
aprovar. Projetos que beneficiem o governo, que deem caixa no curto prazo,
terão muita dificuldade. Sem a reorganização do diálogo com o parlamento, as
privatizações não vão andar. É simples assim, é bem objetivo. Porque estaremos
dando ao governo recursos para ele continuar atacando o parlamento. (Via: O Globo)
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