A denúncia do Ministério Público do Ceará (MP-CE) contra 26 policiais civis, entre eles três delegados, aponta que três inspetores de Fortaleza, que fazem parte da quadrilha formada pelos agentes, desviaram parte de uma apreensão de entorpecentes e cobraram R$ 1 milhão a um suspeito de tráfico de drogas para não prendê-lo. Valor que foi repartido entre os policiais.
A informação consta no documento da investigação realizada pelo
Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), que
está dividido em 26 fatos, datados dos anos de 2016, 2017, 2018, ocorridos em
Fortaleza e na Região Metropolitana. A investigação durou pelo menos três anos.
A Associação dos
Delegados de Polícia do Ceará (Adepol) afirma que está tendo acesso aos autos e
vai se manifestar em momento oportuno.
O processo de 298
páginas é assinado por três promotores e traz detalhes do esquema. Entre os
crimes apontados pelo MP contra os agentes estão: extorsão,
tortura, tráfico de drogas, usurpação de função pública, abuso de autoridade e
favorecimento pessoal.
A ação é resultante
da continuidade da análise da extração de dados de aparelhos celulares
pertencentes a investigados da Operação Vereda Sombria,
deflagrada pela Polícia Federal em 2017 e do relatório de interceptação
telefônica da Operação Gênesis,
deflagrada em setembro de 2020.
Traficante usado como 'informante'
Na denúncia do MPCE consta que no dia
15 de junho de 2017 três inspetores da Polícia Civil, na época lotados na
Divisão de Combate ao Tráfico de Drogas (DCTD), abordaram o traficante Weverton
Moreira de Brito, conhecido como "Evim", "Evinho" ou
"Cabeludo".
Durante a ação, segundo o órgão
ministerial, o suspeito foi encontrado com determinada quantidade de droga,
momento em que os policiais exigiram de "Evim" diversas vantagens
ilícitas, sob a ameaça de levá-lo preso.
"...exigiram
da vítima diversas vantagens ilícitas que consistiam, além de dinheiro em
espécie e drogas, do levantamento e apontamento de 'serviços' e abordagens que
rendessem, da mesma forma, vantagens à equipe", diz um trecho do
documento.
Após o acordo feito com os agentes,
"Evim" foi liberado e passou durante alguns dias informações e
detalhes necessários para a abordagem de Tenilson Lessa Lima Filho, mais
conhecido como "Patrão" ou "Jumento" e de seu comparsa
Nickson Eliandro de Sousa Silva, que eram os alvos que os policiais queriam
capturar.
Conforme o Ministério Público,
"Evim" chegou a encomendar 30 quilos de drogas à dupla de criminosos.
Os entorpecentes de "Evim" foram apreendidos pelos inspetores,
"como forma destes alcançarem o seu intento criminoso final".
Na denúncia, o MP afirma que para
despistar a origem da droga e assegurar a operação, um dos inspetores, que é
apontado como um dos líderes do esquema, apresenta o material apreendido na
delegacia especializada, porém com endereço de um imóvel abandonado no Bairro
Bom Jardim e com o produto pertencendo a uma terceiro suspeito de nome
"Naldinho".
Um dos policiais da DCTD chega a
desconfiar da versão e enxerga incongruências na explicação dada pelo agente,
após fotos da droga postadas em um grupo de WhatsApp.
Extorsão de R$ 1 milhão de traficante
No dia 19 de junho de 2017, de acordo
com o Ministério Público, os traficantes "Patrão" e Nickson são
abordados pela equipe da Divisão de Combate ao Tráfico na posse de mais de uma
tonelada de maconha.
Ocasião em os três inspetores
exigiram de Tenilson ("Patrão") "a importância de um milhão de
reais para livrá-lo da prisão em flagrante".
"Com
o acordo, Tenilson foi poupado e o correria Nickson e a maior parte da droga
foram levados e apresentados na sede da Divisão de Combate ao Tráfico de Drogas
(DCTD)...", diz a denúncia.
Parte da apreensão foi desviada para
traficante
Segundo o Ministério Público,
Weverton ("Evim"), traficante usado como "informante",
chegou a receber 60 quilos de maconha e parte do dinheiro extorquido do
"Patrão", como recompensa pela ajuda na apreensão da droga.
"Como
recompensa pelos bos serviços prestados, Weverton recebeu dos policiais
envolvidos 60 quilos de maconha , desviados da aprensão em tela, uma quantia em
dinheiro, (entregue por Tenilson como parte do trato, que foi rateado entre
todos os participantes), além da promessa de devolução de determinada
quantidade de cocaína subtraída pela equipe de policiais no dia em que foi
extorquido".
Inspetores criaram grupo para
comemorar e negociar recebimento do dinheiro de extorsão
A denúncia do MP afirma que após as
formalidades da apreensão da droga, os inspetores criaram um grupo no WhatsApp
nomeado "T-FLY JEANS", onde os integrantes trocam mensagens de
agradecimento e negociaram o recebimento do dinheiro.
"Na
mensagem de abertura de tal grupo, um integrante diz: 'mais uma vez foi uma
honra trabalhar com os senhores'. Logo em seguida, outro integrante lembra aos
demais 'de apagar esse grupo e todas as conversas'".
No mesmo grupo, os agentes negociam
como vão receber o dinheiro da extorsão de R$ 1 milhão contra
"Patrão".
"Às 11h26min, um deles diz: 'o
buzu do real é mandar ele colocar em uma mochila e mandar ele entregar no
Conjunto Ceará que tem uma centena de rotas de fuga (...) Bota ele pra rodar no
Conjunto...seguimos em duas motos e mandamos ele jogar a mochila em algum
lugar...pegamos e fugimos (...) Nada de encontro e tal".
Nesse momento, conforme o MP, alguém demonstra preocupação e
diz: "pessoal, vamos sempre apagando tudo blz".
Em seguida os
participantes voltam a dialogar sobre a entrega do dinheiro.
"Às 22h28min,
um membro pergunta: 'quem tá falando com ele já falou hoje? Ele tá hackeado
(referindo-se possivelmente a whatsapp clonado)? . Em seguida, é respondido 'eu
coloquei um adv pra procurar ele hj...me ligou de lá quando tava com ele (...)
Dei um cabrito (celular) para ele ligar e tem um advogado no circuito. Marquei
reunião 13h no escritório do adv".
A denúncia afirma
que esse trecho restaurado da conversa foi finalizado às 11h32min daquele mesmo
dia, com a mensagem "apaguem tudo", atribuída ao inspetor que seria
uma das lideranças do esquema.
Na denúncia, o
Ministério Público solicita ao Poder Judiciário requerimentos de busca e
apreensão nas residências dos denunciados, suspensão do exercício de função
pública direcionada aos agentes (alegando que os acusados possuem grande
influência no Sistema de Segurança Pública do Ceará), quebra do sigilo telemático
dos materiais apreendidos, afastamento do sigilo bancário e fiscal e até mesmo
prisões, entre outros.
Para o Ministério
Público, as ações descobertas durante a investigação configuram a prática do
crime de organização criminosa.
"...todos os
acostados à presente denúncia, não deixam dúvidas acerca da existência de uma
estrutura ordenada e institucionalizada, com diferentes níveis de
relacionamento e distribuição de tarefas direcionada à obtenção de vantagens
para seus integrantes, seja vantagem econômica ou prestígio profissional,
através de cadenciado e autossustentável de práticas cotidianas de crimes
graves, como extorsões, torturas, peculato, abuso de poder, tráfico de drogas,
dentre outros". (Via: G1 CE)
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