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sexta-feira, 7 de março de 2025

Relatórios detalham esquema de corrupção com ex-diretor e policiais penais do Presídio de Pernambuco

Relatórios da Polícia Federal revelam detalhes de como funcionava o esquema de corrupção no Presídio de Igarassu, o mais superlotado e em piores condições de Pernambuco. Na semana passada, uma operação prendeu um ex-diretor e sete policiais penais por envolvimento no esquema que beneficiava presos em troca de dinheiro e presentes. A coluna Segurança, do Jornal do Commercio, teve acesso à íntegra dos documentos.

As investigações apontaram que o presidiário Lyferson Barbosa da Silva exercia uma forte liderança no pavilhão onde cumpria pena e que tinha contato direto com o ex-diretor da unidade, Charles Belarmino de Queiroz, e com outros policiais penais em cargos de supervisão. O contato era feito por meio de mensagens de WhatsApp, ou seja, o presidiário tinha acesso a celulares com autorização da direção.

"Entre as intermediações com as chefias e com a direção estão autorizações de entrada de visitantes, feiras, alimentos não autorizados, aparelhos eletrônicos diversos, entre eles celulares, televisores e freezers", destacou a Polícia Federal.

De acordo com a investigação, ele intermediava a devolução de aparelhos em caso de apreensão, durante revistas de rotina, e solicitava autorizações para entrada de prestadores de serviços para fins particulares, como a instalação de equipamentos eletrônicos em sua cela, confecção de tatuagens e garotas de programa.

Além disso, montou um laboratório para fabricação de drogas em um espaço cultural do presídio, com autorização da direção.

Preso por participação no assassinato do médico médico Artur Eugênio de Azevedo, de 35 anos - crime ocorrido em 12 de maio de 2014, em Jaboatão dos Guararapes -, Lyferson também é líder de uma organização criminosa especializada no tráfico de drogas e com forte atuação no município de Rio Formoso, no Litoral Sul de Pernambuco.

No ano passado, em meio às investigações que resultaram na operação da última semana, Lyferson foi transferido para a Penitenciária Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, onde permanece cumprindo pena.

No dia 25 de fevereiro, a Polícia Federal deflagrou a Operação La Catedral, que cumpriu oito mandados de prisão preventiva contra policiais penais e um contra o próprio Lyferson. Outro policial penal e uma dentista, ambos lotados na Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização, foram afastados das funções públicas.

Os investigados devem responder pelos crimes de tráfico e associação para o tráfico de drogas; lavagem de dinheiro; corrupção; prevaricação; promoção ou facilitação de ingresso de aparelho telefônico em presídio; participação em organização criminosa.

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ENTENDA PROVAS E ACUSAÇÕES CONTRA POLICIAIS PENAIS PRESOS NA OPERAÇÃO

1 - Charles Belarmino de Queiroz (preso na operação)

Exerceu o cargo de diretor do Presídio de Igarassu entre 1º de abril de 2016 até o final de 2024. Investigação da Polícia Federal encontrou troca de mensagens entre Lyferson e Charles, desde 2022, com pedidos para instalação de revestimentos de cerâmica na cela dele - inclusive informando que um amigo iria à unidade prisional para fazer a mão de obra.

Em outra conversa, em 23 de setembro de 2022, Lyferson solicitou autorização do diretor para aquisição de um aparelho celular da marca Apple. Segundo o preso, apenas um aparelho não estava sendo suficiente para ele.

"O preso ainda manda a foto do aparelho celular, supostamente um Iphone 14 Pro Max, que à época era vendido em torno de R$ 7 mil. O diretor responde: 'Blz' Neste diálogo fica evidente a ciência e conivência do diretor Charles com a aquisição e utilização de aparelhos celulares para o detento", descreveu o relatório da PF.

Outra conversa fez referência a transferências de presos de outras unidades para o Presidio de Igarassu a pedido de Lyferson. Em 9 de fevereiro de 2023, ele solicita que o suposto marido de outro detento seja removido para Igarassu para que eles possam cumprir e pena juntos. No diálogo, o diretor pediu o nome para fazer a solicitação.

"No dia 14 de fevereiro de 2023, ocorre a transferência do referido preso da unidade prisional Cotel [Centro de Observação e Triagem, em Abreu e Lima] para o Presídio de Igarassu, conforme prontuário do preso", indicou relatório da investigação.

Em outro diálogo, Lyferson afirmou que pagará R$ 100 por cada uma das 50 caixas de cerveja levadas ao presídio, totalizando R$ 5 mil. As cervejas seriam para uma festa, "sendo a venda realizada pelo próprio diretor Charles, que dá seu 'ok'".

Diálogos, no inquérito, também mostraram que o presidiário solicitava ao diretor a entrada de drogas, que eram comercializadas na unidade prisional.

2 - Eronildo José dos Santos (preso na operação)

Policial penal lotado no Presídio de Igarassu desde 2011, ele exercia a função de chefe de disciplina e segurança.

Investigação indicou que o servidor se comunicava com Lyferson utilizando o WhatsApp. Nas mensagens, o policial ordenava procedimentos que deveriam ser tomados no pavilhão para autorizar a entrada de visitantes não cadastrados e/ou fora do horário de visitação e também falava sobre a rotina na unidade.

"Chama atenção o fato de o preso ter livre acesso à sala de câmeras do estabelecimento prisional. No dia 30 de maio de 2023, Lyferson se desculpa com Eronildo por ter usado o celular nas áreas comuns do presídio. Aparentemente, há um acordo entre os policiais e presos de que os celulares, que na teoria deveriam se proibidos, só devem ser usados dentro das celas, haja vista que nas áreas comuns há monitoramento por câmeras", detalhou relatório da PF.

Em uma troca de mensagens, em 21 de agosto de 2023, Lyferson informou a Eronildo que o diretor da unidade teria autorizado a entrada de uma "falante da maçã", em referência ao celular da marca Apple. O presidiário questiona se pode deixar o aparelho com Eronildo para buscá-lo depois. O servidor concorda.

3 - Newson Motta da Costa Neto (preso na operação)

Policial penal que já foi lotado no Presídio de Igarassu. Investigação também identificou conversas entre ele e Lyferson. Newson é apontado como um informante do presidiário.

"Nas conversas, percebeu-se que possivelmente o policial penal colocava entorpecente para dentro do presídio em conluio com Lyferson, fazia buscas em bancos de dados para a organização criminosa que Lyferson compõe e outros delitos", descreveu a PF.

A investigação indicou que, no dia 21 de dezembro de 2022, possivelmente ocorreu uma entrada de droga intermediada por Newson e solicitada por Lyferson. Naquele dia, R$ 20 mil em dinheiro teriam saído do presídio por intermédio do policial penal.

4 - Cecília da Silva Santos (presa na operação)

Policial penal que exercia atividades no Presídio de Igarassu desde 13 de janeiro de 2022, Cecília é chamada por Lyferson de "Baixinha" e "Nega". Para a Polícia Federal, existia um relacionamento amoroso entre os dois.

"Embora algumas mensagens tenham sido apagadas, é possível inferir que os interlocutores se falam diariamente pelo aplicativo WhatsApp. Nas mensagens, enviam fotos íntimas um para o outro e trocam mensagens carinhosas", disse a PF.

Segundo a investigação, ela se utilizava da função pública para receber benefícios irregularmente e solicitava presentes de Lyferson, "além de passar informações restritas sobre outros presos".

5 - Everton de Melo Santana (preso na operação)

Mensagem de 6 de agosto de 2022 mostra que o policial penal entrou em contato com Lyferson perguntando sobre um pedido de sushi. Polícia Federal descreveu Everton como mais um servidor público que facilita a entrada de alimentos não autorizados.

A investigação indicou que, naquele dia, Lyferson fez o pagamento de sushi para o policial penal e toda a equipe que estava de plantão. Ele usou um celular na cela para a transferência via Pix.

Outras mensagens indicaram que, em dias de plantão do policial penal, pagamentos de comida, como hambúrguer, eram realizados para a entrada no presídio. Valores chegaram a até R$ 549 por pedido, segundo a PF.

6 - Ernande Eduardo Freire Cavalcanti (preso na operação)

O policial penal realizava frequentemente pedidos de comidas para Lyferson, segundo a investigação. O pagamento ocorria por meio de Pix.

Nos relatórios, há a transcrição de um áudio supostamente enviado por Ernande a Lyferson com exigências: “Eu quero uma barca [de sushi] só de especial, bem maçaricada... de salmão... com todo tido de especial... carioca, tá entendendo? Eles montam uma barca com quantas peças você pede”.

Investigação apontou que, após o diálogo, Lyferson fez a transferência do Pix ao restaurante e que Ernande fez o pedido no próprio nome e pediu que a entrega fosse realizada no Presídio de Igarassu.

Mensagens também indicaram que o policial pedia dinheiro ao presidiário. Certa vez, teria solicitado duas notas de R$ 50 para abastecer o carro particular com combustível.

7 - Reginaldo Ferreira Aniceto (preso na operação)

Segundo a Polícia Federal, o policial penal fazia serviços para Lyferson em troca de recompensas. Em conversa no dia 6 de maio de 2022, o presidiário solicitou que Reginaldo escolhesse um tênis.

No dia 14 de junho do mesmo ano, o servidor foi até um shopping e retornou mandando imagens do tênis escolhido.

Mensagens também indicaram que o policial facilitava a entrada de pessoas não autorizadas, a pedido de Lyferson.

Em outra conversa, no dia 29 de junho de 2022, o policial autoriza a entrada de uma mulher para visitar Lyferson e entregar perfumes, camisas e uma corrente de ouro. No diálogo, o presidiário promete presentear o policial com um dos perfumes.

8 - Ednaldo José da Silva (preso na operação)

Policial penal que já foi lotado no Presídio de Igarassu. Foi descrito pela Polícia Federal como um servidor com "desequilíbrio financeiro" e que chegou a pedir empréstimos a Lyferson. Em uma das conversas, solicitou R$ 3 mil.

"Na sequência da conversa entre os dois interlocutores, Edinaldo conversa com Lyferson para chamá-lo para jogar futebol e dentre outras atividades que demonstram confiança e amizade entre os dois", apontou a PF.

SERVIDORES AFASTADOS DAS FUNÇÕES

O policial penal Moisés Xavier da Silva também faz parte das investigações. Ele foi afastado das funções públicas por determinação da Justiça.

Lotado no setor de enfermaria do Presídio de Igarassu, ele teria facilitado a renovação da habilitação de motorista de Lyferson. O esquema teria envolvido o valor de R$ 5 mil.

"Notadamente Moisés é mais um Policial Penal que não se opôs em conversa com um preso utilizando o aparelho livremente no presídio, fazendo, inclusive, favores para o preso", descreveu o relatório da Polícia Federal.

A outra servidora afastada das funções no dia da operação foi a dentista Edilma Alves Francisco de Andrade.

Um diálogo mostra que Lyferson teria transferido R$ 1mil via Pix para Edilma como pagamento por um procedimento odontológico no presídio. Ao final do diálogo, ela chegou a oferecer cosméticos para ele.

GOVERNO DO ESTADO DIZ QUE COMBATE CORRUPÇÃO NOS PRESÍDIOS

Em nota, a Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização de Pernambuco (Seap/PE) afirmou que ações de reestruturação e combate à corrupção "vinham sendo conduzidas de forma planejada e contínua antes mesmo da deflagração da operação La Catedral".

"Como parte dessas medidas estratégicas, a Seap afastou, de imediato, o então diretor do Presídio de Igarassu, Charles Belarmino de Queiroz Silva, e mais quatro policiais penais, além de transferir para presídio federal um dos detentos envolvidos na investigação interna", disse o texto.

"Os afastamentos dos servidores ocorreram no contexto de uma série de investigações internas conduzidas pela pasta, em estreita cooperação com órgãos de controle e segurança pública para identificar e coibir práticas ilícitas dentro das unidades prisionais", pontuou a pasta.

"Vale destacar que o combate à corrupção e ao crime organizado não se restringe a operações pontuais, mas sim a um trabalho estratégico e contínuo de reestruturação, monitoramento e reforço da segurança nas unidades prisionais em todo o estado", completou.

O QUE DIZ O SINDICATO DOS POLICIAIS PENAIS?

Em nota, o Sindicato dos Policiais Penais de Pernambuco afirmou que acompanha os desdobramentos da operação e que "não compactua com qualquer conduta que possa configurar desvio de função ou prática criminosa".

"Nosso papel é representar e defender os interesses da categoria dentro dos princípios da legalidade e da moralidade pública. O sindicato já enviou seu departamento jurídico para acompanhar de perto o desdobramento dos fatos, garantindo que os direitos dos policiais penais envolvidos sejam preservados e que a verdade seja devidamente esclarecida", pontuou.

O espaço segue aberto para a defesa dos investigados. (Via: Ronda Jc)

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