O ministro Chefe do Gabinete de Segurança
Institucional, General Augusto Heleno, relatou como o governo acompanhou a
crise e os conflitos na Venezuela nesta terça-feira durante todo o dia. Em
entrevista ao jornal O Globo desta quarta-feira (1º), Heleno classificou o
movimento e o “esquema militar” liderado por Guaidó como “precário” e ressaltou
que o Brasil não irá intervir em assuntos internos do país vizinhos.
Como o senhor vê o futuro da Venezuela?
A
situação é imprevisível. A gente tem certeza que o “esquema militar” do Guaidó
é precário e o outro lado conta com um apoio comprado de cerca de 2 mil
generais, que é uma cifra espantosa. Há um esquema de colocar muitos deles na
área econômica, sendo praticamente donos da economia que sobrou na Venezuela,
não só com o que é lícito como com o que é ilícito. Além disso, esses militares
também não têm certeza se a promessa de anistia, se alguém que não seja o
Maduro chegar ao poder, vai ser realmente respeitada. Então eu tenho certeza
que muitos desses militares têm medo das consequências de uma queda do regime
do Maduro.
E a movimentação de hoje (ontem)?
Desde
de manhã, as imagens mostravam uma população desorganizada, tentando fazer uma
reação não se sabia exatamente a quê, porque não se via outro lado quem era o
adversário. Parecia briga de torcida de futebol: gente jogando pedra, outros
jogando bomba… Mas nada que tivesse qualquer aspecto de uma rebelião séria ou
de uma possibilidade séria de que aquilo ali acabasse resultando numa queda do
governo. Ficou todo mundo esperando que se confirmasse uma primeira declaração
do Guaidó, que teria recebido o apoio maciço das Forças Armadas, mas não
aconteceu, ficou na declaração dele.
O movimento pode sair enfraquecido?
Pode.
O Leopoldo López já está na Embaixada do Chile. Eu acredito que peça asilo,
porque, obviamente, se não pedir, vai ser preso.
Qual o papel que o Brasil deve desempenhar nos campos político e
militar?
O
Brasil é o maior país sul-americano, com o maior PIB, a maior população e tem
uma liderança natural sobre esse contexto geopolítico sul-americano. Mas o
Brasil tem como tradição história, e tem escrito na sua Constituição, que ele
não pode intervir em assuntos internos de países, nações amigas. Então ele fica
impedido constitucionalmente de tomar qualquer atitude de força ou de
intervenção em qualquer dos países sul-americanos que estejam, muitas vezes,
vivendo uma crise. Podem estar vivendo até uma pré-revolução, mas nós não temos
autorização constitucional, legal, para fazer esse tipo de interferência. Então
o Brasil vai manter essa posição.
O governo Bolsonaro apoia essa posição?
Tem
que apoiar. A lei é para ser cumprida. Existe uma lei.
Mas Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações
Exteriores [da Câmara dos Deputados] e filho do presidente, já falou sobre a
hipótese de intervenção mais de uma vez…
Sim,
só que tem todo um processo para isso acontecer. E o Eduardo é deputado da
República. Mas a última palavra no caso é do presidente, sendo assessorado por
uma série de instrumentos que existem na Constituição. Não é uma decisão
monocrática.
Qual foi a reação do presidente a esse fato de hoje (ontem)?
Nós
acompanhamos durante toda a manhã. Deixamos a televisão ligada e volta e meia
acompanhávamos a evolução dos acontecimentos, uma evolução muito morna.
Primeiro que não saía daquela imagem, e também porque nós não estamos vendo a
Venezuela inteira. A Venezuela eu acho que tem 300 cidades. Aquilo ali é um
pedacinho de Caracas. Aquilo não é o suficiente para te mostrar qual é a
situação no país. Então a gente não tem como fazer um diagnóstico (de) qual era
o grau de violência, qual era o grau de participação da população, quem era
aquela população que estava ali participando ativamente das manifestações.
Muito difícil avaliar. E era pouca gente para derrubar um governo. Na minha
opinião ainda estava longe de acontecer.
Existe algum tipo de pressão dos Estados Unidos?
Não,
nunca houve esse tipo de pressão. Participei de algumas reuniões com o pessoal
da embaixada americana, fui aos Estados Unidos com o presidente e em nenhum
momento houve pressão para que o Brasil interviesse militarmente nesse caso.
Como o senhor interpreta quando o presidente Trump fala que
todas as cartas estão na mesa?
Eu
interpreto o seguinte: todas as cartas estão na mesa do lado venezuelano. Do
outro lado, se você parar para pensar, você acha que as cartas americanas estão
na mesa? Não. Você acha que o poderio militar americano está na mesa? Não está
na mesa, não foi colocado na mesa em nenhum momento uma ameaça de intervenção
militar americana. Até o governo do Maduro se vale muito dessa possível ameaça.
Hoje mesmo houve uma declaração do chefe do Estado-Maior conjunto dizendo que
não vão aceitar imperialismo americano, que é uma propaganda muito antiga em
relação aos americanos.
Tendo em vista essa torcida do governo brasileiro pelo sucesso
do Guaidó, ficou um sentimento de decepção com esse movimento de hoje?
Se eu
estou torcendo pelo Flamengo, vou para o Fla x Flu e o Fluminense ganha, lógico
que me dá uma sensação de frustração. Lógico que nós estamos torcendo. Não é um
problema do Maduro, o problema é a população venezuelana que nitidamente vem
sofrendo, tendo o seu país derretido. E é um país rico, que já foi o país mais
rico da América do Sul. A população que pode sair da Venezuela saiu, a maior
parte ficou mas ficou sofrendo.
O senhor comentou mais cedo que não se sabe exatamente como tem
sido a participação de Rússia, China e Cuba na ação…
A
gente sabe que esses três atores estão do lado do Maduro mas com participações
diferentes. É claro que do ponto de vista de política externa e de geopolítica
isso é um fator de preocupação, nós somos vizinhos da Venezuela. Vamos imaginar
que a Venezuela se transforme em outra Cuba, junto ao Brasil, em uma área
relativamente remota, com uma fronteira bastante desguarnecida em termos de
população. Isso pode se alastrar, ninguém sabe onde vai parar isso.
O quanto preocupa o governo a hipótese da transformação disso em
uma guerra civil?
Muito.
Porque obviamente uma guerra civil, além de todos os transtornos que ela causa,
o fato de estar na nossa fronteira naturalmente você tem reflexos. O primeiro
reflexo é a passagem de gente para cá. O segundo reflexo é a passagem de gente
para lá, até para atuar como mercenário, coisas desse tipo. Então uma guerra
civil na sua fronteira, em um país que tem uma fronteira relativamente grande
com você, fatalmente tem reflexos na sua economia, na sua organização social,
na geopolítica do seu país. Isso é o que mais nos preocupa.
É uma hipótese que o governo trabalha?
É
claro que não é uma hipótese que seja para já. Até porque há um desequilíbrio
muito grande de forças entre os dois adversários. Mas é uma das hipóteses que
pode acontecer.
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