O deputado federal eleito Tiago
Mitraud (Novo-MG) diz que é como se "estivesse montando uma
empresa".
Felipe Rigoni (PSB-ES), também futuro parlamentar na Câmara, pensa em "institucionalizar no poder público algo mais meritocrático, selecionar pessoas por suas habilidades, e não uma coisa de compadrio".
O senador da próxima legislatura Capitão Styvenson (Rede-RN) afirma que,
como não deve "nada nem a partido nem a ninguém", escolherá sua
equipe a partir de competência e aptidão -numa bateria de testes que
inclui até exame toxicológico, uma exigência impedida por lei, segundo
especialistas.
Eleitos para o Congresso e para Assembleias Estaduais lançaram nas últimas
semanas processos seletivos para contratar assessores que vão compor seus
gabinetes. Querem receber currículos, triar os mais capacitados e romper com a
tradição de nomear só os indicados por partidos ou aliados.
"Eu estou contratando pessoas com o melhor potencial de mostrar
resultado, e não aquelas com quem tenho compromisso político, até
porque não tenho isso com ninguém", diz Mitraud, que fez campanha em
Minas prometendo abrir mão de metade dos assessores a que teria direito e de
metade da cota parlamentar (verba para gastos com passagens aéreas e
combustíveis, por exemplo).
Assim como outros novos parlamentares que optaram pelo sistema, o deputado
do Novo afirma querer um processo isento, sem interferência direta sua no
preenchimento das 12 vagas que abrirá. "Algumas pessoas que trabalharam
comigo na campanha vão entrar no processo seletivo, sem nenhuma garantia de que
vão passar. Estamos dando adeus às velhas práticas."
Ex-diretor da Fundação Estudar, onde ganhou experiência em recrutamento,
ele escalou um antigo colega da ONG criada pelo empresário Jorge Paulo Lemann
para ajudá-lo na contratação. Segundo Mitraud, o consultor vai fazer a peneira
inicial e só na última etapa o deputado entrará em cena, para entrevistar os
finalistas. Na Câmara dos Deputados, cada parlamentar tem direito
a contratar até 25 secretários parlamentares (nomenclatura oficial para a
função de assessor). Os salários podem variar de aproximadamente R$ 1.000 até
R$ 15.000.
No Senado, o número máximo de servidores comissionados que cada gabinete
pode nomear é o dobro: 50. A remuneração começa em R$ 4.000
e pode chegar a R$ 17 mil. Futuro senador por Alagoas,
Alessandro Vieira (eleito pela Rede, mas de mudança para o PPS) quer ficar
distante do limite. Planeja começar o mandato com 15 colaboradores, escolhidos
via concurso aberto que ele iniciará nos próximos dias. "Será como uma
startup, em que cada um terá uma multiplicidade de funções. As pessoas têm que
estar aptas para fazer várias tarefas", diz ele.
Ao mesmo tempo, Vieira se organiza com outros dois eleitos do Acredito
-movimento de renovação política do qual faz parte- para criar um
"gabinete coletivo", com pessoas trabalhando para os três ao mesmo
tempo. Como reza a cartilha dos inovadores, a estrutura que será compartilhada
pelo senador e pelos deputados Rigoni e Tabata Amaral (PDT-SP) será formada
também a partir de um processo seletivo.
Além da busca que faz em conjunto com os dois colegas do Acredito,
Rigoni já lançou um edital próprio para seu gabinete. São três vagas para
atuar em Brasília e quatro em Vitória, onde terá um escritório para cuidar do
mandato. Mais de 2.800 pessoas se inscreveram em uma semana, segundo ele.
"Quero fazer um mandato de excelência. Isso demanda formação e competência
de excelência. Nada melhor do que eu selecionar as melhores pessoas para cada
uma das vagas", diz o parlamentar, primeiro cego eleito para a Câmara.
Seus dois chefes de gabinete, no entanto, já estão escolhidos. "Esses
fizeram algo mais difícil, que é trabalhar comigo há mais de dois
anos."
Exame antidrogas Os critérios do senador Capitão Styvenson para
arregimentar os melhores quadros para sua equipe incluem, além de análise do
currículo e sabatina de uma banca de entrevistadores, a apresentação de um
exame toxicológico (que detecta se a pessoa usou drogas como maconha e cocaína
nos 90 dias anteriores). Pelas regras, quem não mostrar o laudo será
desclassificado.
O novato, que abriu oito vagas para assistentes que vão trabalhar em
Natal, lançou o processo seletivo como medida prática do discurso que o elegeu.
O estreante ganhou fama no estado por conduzir com rigidez blitze da Operação
Lei Seca e uma campanha repleta de críticas aos políticos tradicionais.
"A pessoa concorre se quiser. Não estou obrigando ninguém a
nada, não estou constrangendo, mas não sou obrigado a aceitar alguém
que não queira se submeter ao exame", diz o futuro senador.
Eleito deputado estadual no Amazonas, Delegado Péricles (PSL) também
instituiu a avaliação toxicológica no processo que faz para preencher sete
funções em seu gabinete. O colega de partido de Jair Bolsonaro conta
ter recebido mais de 1.400 currículos. "Meu objetivo é
mostrar que se pode fazer um trabalho na Assembleia sem
apadrinhamento, sem ligações políticas. Quero trazer pessoas técnicas e
qualificadas para bem servir à comunidade", diz o estreante em cargos
eletivos. O edital do concurso aberto por ele informa que poderá ser solicitada
aos concorrentes, "a qualquer tempo", a realização "de quaisquer
exames, inclusive toxicológicos".
O capítulo "investigação social" prevê que
os candidatos demonstrem idoneidade moral e conduta ilibada. Entre os
motivos desabonadores estão dependência de drogas ilícitas e vício de
embriaguez, de acordo com o texto. "Se eu sentir que há algo
contrário àquilo que eu prego, eu posso solicitar [o exame]", afirma o
futuro deputado. A legislação veda a imposição do exame para
detectar uso de entorpecentes, segundo especialistas da área trabalhista.
"A Constituição fala que o direito à intimidade é resguardado", diz a
advogada Cristina Buchignani, do escritório Costa Tavares Paes Advogados.
"A exigência fora dos casos previstos em lei é discriminatória e pode ser
questionada judicialmente."
A obrigatoriedade existe apenas no caso de recrutamento para
motoristas profissionais e para operadores de veículos ou máquinas
que, caso trabalhem sob efeito de drogas, podem colocar a própria
vida e a de outras pessoas em risco. "No caso de um concurso público,
estabelecer isso faz com que algumas pessoas não possam se inscrever, o
que prejudicaria a isonomia entre os candidatos", segue a advogada. Pedir
o exame durante o contrato de trabalho também é considerado discriminação quando
ele é restrito a uma única pessoa, criando situação vexatória.
Segundo Francisco Caputo, ex-presidente da OAB no Distrito Federal e sócio
do Caputo, Bastos e Serra Advogados, o Ministério Público poderia agir em
situações como as dos processos seletivos dos parlamentares.
"Qualquer candidato que processar judicialmente também poderia suspender
essa regra do edital", afirma ele, citando os princípios da dignidade
humana e da proteção da imagem. A jurisprudência entende ser ilegal o exame
antidroga em casos assim porque há discriminação, de acordo com a
advogada Bárbara Priscila, coordenadora da área de direito
trabalhista do Nelson Wilians e Advogados Associados em Curitiba. "Os
candidatos podem se recusar a fazer e podem questionar isso na Justiça",
diz ela. (Via: Folhapress)
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