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segunda-feira, 8 de julho de 2019

Bacamarteiros de Solidão, Custódia e Serra Talhada participam de encontro no Cabo de Santo Agostinho


Aos 72 anos, Israel Gouveia de Lima nunca foi de contabilizar os tiros que dá. Em sua conta, em mais de três décadas de experiência no “negócio”, eles estão na casa dos milhares. O número dos disparos subiu ontem (07), quando o aposentado, vindo de Custódia, no Sertão do Estado, juntou-se aos bacamarteiros das cidades de Solidão e Serra Talhada, e mais cerca de 500 bacamarteiros de 24 grupos de Pernambuco e de Sergipe em um encontro no Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana do Recife. Encontro que homenageia Zé da Banha, um torneiro mecânico que criou os primeiros  bacamartes de aço e fundou a Sociedade dos Bacamarteiros do Cabo (Sobac).

Com o bacamarte, que não era, segundo Israel Lima, um dos mais “possantes” do encontro, Israel deu os seus tiros. A arma não era das mais “possantes”, mas cumpriu a tarefa de anunciar que ontem o dia era de folia e, acima de tudo, de celebração no Cabo. Os bacamarteiros percorreram as ruas centrais da cidade em uma procissão em homenagem aos santos juninos. Á frente do cortejo, as bandeiras de Santo Antônio, São João e São Pedro. Atrás das bandeiras, homens, mulheres e crianças, animados por bandas de forró, de pífano e pelos estrondos dos tiros.

“Os bacamarteiros formam uma grande família. E a alegria de hoje é reunir essa família, que vai além do nosso estado”, disse o mestre e presidente da Sobac Ivan Marinho, durante a missa que foi o ponto máximo da procissão. Na celebração, os tiros ficaram de fora, mas o ritmo junino, puxado por um coral de nome peculiar – Boca de Bacamarte – e ao som de sanfona, zabumba e pífano, deram o tom dos cânticos. No cântico final, a Ave Maria Sertaneja, imortalizada por Luiz Gonzaga, teve muito “macho” e muita “muié” de bacamarte em punho, segurando as lágrimas.

Clima de Festa

No meio da multidão, quando os bacamarteiros saíam da igreja, devotada a Santo Antônio, padroeiro do Cabo de Santo Agostinho, o clima era de festa. A fumaça dos tiros subia a ladeira da Rua Doutor Antônio de Souza Leão. O estampido dos bacamartes atraía curiosos, de celular na mão e incrédulos em ver tantos bacamarteiros. “Parece coisa de cordel, arrancada do meio da história e, tristemente, com tão pouca gente nas ruas para prestigiar”, disse o estudante Pedro Alcântara, 23 anos. Ele estava certo. Mas os bacamarteiros desciam rumo à estação ferroviária do Cabo de Santo Agostinho.

Na contramão do tráfego, a multidão de amantes do bacamarte parecia dizer que estava ali, em um dos municípios mais industrializados de Pernambuco, para manter a tradição. E manteve. Em frente da estação, no pátio, as mesas estavam postas para matar a fome de quem veio de tão longe, de cidades como Solidão , Serra Talhada, Machado, em Pernambuco, e de Capela e de Japaratuba, em Sergipe. Ou de Pesqueira, no Agreste pernambucano, de onde, nos anos 1960, veio a inspiração para se organizar o grupo de bacamarte do Cabo. Disso Socorro Leandro, 48 anos, tomou conhecimento ontem. Ela viajou de Pesqueira para o encontro. “Perdi a conta de quantos tiros dei nestes anos que me tornei bacamarteira”, relembrou, enquanto fazia a contagem do tempo dedicado à tradição.

Lembranças

Depois de parar o olhar no horizonte, Socorro assegurou: “Tenho quatro anos de tiros”. Para ela, trajada “conforme a prática”, de roupa azul e lenço no pescoço, é muito tempo e esforço. É o valorizar da presença feminina em uma tradição iniciada por homens. Marcada por homens. E na força da “garrancheira”, um dos nomes dado ao bacamarte, uma arma de fogo de cano curto e largo, empregada na Guerra do Paraguai, na segunda metade do século 19.

Ao fim do cortejo, Socorro, Israel e Ivan ficaram sob a mesma tenda, montada em frente à estação ferroviária. Sob as árvores, as armas e os chapéus. Em uma delas, dos cordeiros pendurados, limpos e prontos para o corte e para a brasa. “Festa assim tem que ter carne. Carne boa”, pontuou um dos bacamarteiros responsáveis pela iguaria. Bem perto, uma garrafa de aguardente e um copo passado de mão em mão enquanto os bacamarteiros insistiam em seis tiros. Dez, vinte, trinta. Contei  mais de 50 em meia hora. Mas foram mais de mil durante as quase oito horas do encontro de ontem, que terminou ao som da sanfona e com a certeza de que, no próximo ano, tem mais.

Blog: O Povo com a Notícia