A abertura de um processo de
impeachment contra Jair Bolsonaro racha o eleitorado brasileiro, mas o
presidente ainda está em posição mais confortável do que a de seus dois
antecessores impedidos desde a redemocratização de 1985.
É o que se depreende da análise de outros momentos de crise política nos
quais o Datafolha perguntou à população se era conveniente o movimento por
parte da Câmara dos Deputados.
Relativizando essa leitura há um fato: a intenção contrária a Bolsonaro é
significativa, 45%, e ele tem só um 1 ano e 4 meses no cargo.
Outros 48%, um empate na margem de erro de três pontos, são contra a
abertura do processo. Os dados foram divulgados na segunda (27).
A palavra impeachment ronda conversas políticas há poucos meses, devido à
erosão acelerada da relação entre o Planalto e os outros Poderes e entes
federativos.
A condução conflituosa da emergência do novo coronavírus, rejeitada por
46% e na qual Bolsonaro se isolou politicamente, acelerou o desgaste político.
A tensão chegou ao paroxismo com a saída de Sergio Moro do governo, com o
ministro da Justiça acusando o ex-chefe de querer interferir na Polícia Federal
–algo confirmado por Bolsonaro ao insistir no nome de Alexandre Ramagem,
próximo à sua família, para a direção do órgão.
O caso agora está nas mãos do Supremo Tribunal Federal. O presidente,
contudo, mantém um patamar alto de apoio popular no cômputo geral, 33% de ótimo
e bom.
O primeiro presidente eleito diretamente depois da ditadura de 1964, o
hoje senador Fernando Collor de Mello (então no partido sob medida PRN), foi
afastado sob acusação de corrupção em setembro de 1992.
Ele viria a renunciar três meses depois para tentar evitar a perda de
direitos políticos, sem contudo ter sucesso.
Collor passou os dois primeiros anos do mandato, 1990 e 1991, decaindo devido
ao caos econômico e à perda de sustentação no Congresso.
Fritou na cadeira, de fato, em 1992, quando foi acusado pelo irmão Pedro
de envolvimento em um grande esquema de corrupção e acabou alvo de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito e o subsequente impeachment.
O Datafolha aferiu o ânimo da população nos dias 3 e 4 de setembro, pouco
mais de 20 dias antes da abertura do processo. Naquele momento, 75% dos
brasileiros desejavam a medida, ante 18% que a rejeitavam.
Já Dilma Rousseff (PT) foi reeleita em 2014, assumindo em 2015 sob grave crise
econômica decorrente de opções feitas em seu primeiro mandato.
Politicamente, o governo começou a sangrar pelas revelações de corrupção
da Operação Lava Jato, que atingiam não só seu partido como vários aliados, em
2014.
No ano seguinte, a oposição ferrenha do então presidente da Câmara, Eduardo
Cunha (MDB), acelerou sua decadência política.
Em março de 2015, o Datafolha mostrou que 63% dos brasileiros desejavam o
impeachment de Dilma, enquanto 33% eram contra. Em outras quatro pesquisas, o
índice oscilou até um máximo de 68% a favor (março de 2016), chegando ao
derradeiro levantamento de abril de 2016 em 61%.
A presidente acabou afastada em maio daquele ano, sendo julgada e impedida
em agosto, devido às pedaladas fiscais que promovera.
Esses dados são referenciais, dado que há diferenças metodológicas –as
duas pesquisas sobre Bolsonaro foram feitas por telefone devido à pandemia,
enquanto as anteriores eram presenciais.
Outros dois presidentes no período tiveram o impeachment especulado, mas
permaneceram no cargo com apoios díspares.
Em agosto de 2005, no auge do escândalo do mensalão, o Datafolha quis
saber se os brasileiros desejavam um impeachment contra Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
O resultado: 63% eram contrários, 29% a favor. A oposição acompanhou o
sentimento popular e preferiu deixar Lula sofrer o desgaste. Deu errado: em
2006, ele havia se recuperado e foi reeleito.
Já em maio de 2017, foi a vez do ex-vice de Dilma, Michel Temer (MDB), ir
para a grelha. Pego em uma conversa indevida com o empresário Joesley Batista,
ele teve duas denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República à
Câmara –conseguiu vê-las suspensas até o fim de seu mandato.
O fez pelo apoio expressivo que tinha na classe política e pela anemia da
oposição recém-retirada do Planalto.
O desejo era por impeachment: o Datafolha apontou em junho daquele ano que
81% desejavam o instrumento contra Temer, enquanto 15% o poupavam.
O caso de Bolsonaro é comparável com o de seu antecessor imediato pelo
tempo semelhante que ambos tinham no cargo quando o impeachment começou a
rondar. Mas Temer tinha quase uma unanimidade popular contra si, algo que está
longe do atual presidente por ora.
O que se vê são os traços comuns de todos os presidentes que foram
removidos da cadeira: amplo desejo popular pelo processo de impeachment, falta
de apoio congressual e crise econômica.
Sobre algo bastante mais intangível, a renúncia de Bolsonaro, o Datafolha
mostrou que 46% dos brasileiros a desejam –o valor aferido na segunda (27) é
maior do que aquele registrado há duas semanas, 37%.
Em três rodadas questionando sobre a hipótese, entre novembro de 2015 e
abril de 2016, o Datafolha ouviu um alto apoio a ela no caso de Dilma,
oscilando de 60% a 65%. Já Temer teve a renúncia desejada, no auge de sua crise
em 2017, por 76%. (Via: Folhapress)
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