Em meio ao avanço da pandemia do
Covid-19, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e futuro presidente do
Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, admitiu em uma videoconferência
da Associação dos Magistrados do Brasil a possibilidade de que as eleições
municipais serem adiadas em razão da crise sanitária.
Segundo o ministro, a data limite para essa definição seria junho, quando
na rotina tradicional dos procedimentos eleitorais, equipes técnicas são
enviadas aos Tribunais Regionais Eleitorais nos Estados para testar a segurança
das urnas eletrônicas, havendo necessidade de treinamento de pessoas, mesários
e demais agentes colaboradores da logística eleitoral.
Dirigentes partidários, pré-candidatos, estrategistas de campanha,
advogados, juízes e muitos dos que estão envolvidos na dinâmica das eleições
também reconhecem que há outras possíveis intercorrências capazes de romper a
fluidez ordinária do calendário eleitoral, levando a um indesejável adiamento
do pleito. Um exemplo disso é a presumível dificuldade de cumprimento dos
prazos “políticos” como as convenções partidárias para oficializar as
candidaturas e permitir o início das campanhas em 15 de agosto. São situações que
pela cultura política vigente e consolidada ensejam aglomerações de pessoas e
manifestações muitas vezes calorosas de apoio, o que se afigura incompatível
com as medidas de restrição de contato social.
Além disso, no contexto da pandemia, emerge a questão do financiamento das
eleições. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (fundo eleitoral) tem
sido alvo de ataques políticos e constrições judiciais visando ao
redirecionamento de seus recursos ao combate dos efeitos da Covid-19.
Recentemente duas decisões proferidas pela Justiça Federal, uma no Rio de
Janeiro e outra no Distrito Federal, concedeu tutelas provisórias em ações
populares intentadas nesse sentido, gerando dúvidas sobre a viabilidade
econômica de todo o processo eleitoral.
Mas o fato é que a própria emergência sanitária tem sido pródiga em
descortinar a brutal capacidade de adaptação de uma sociedade altamente
conectada e que tem à sua disposição uma farta gama de ferramentas digitais
capazes de alterar positivamente o comportamento e a cultura do eleitor no
processo eleitoral, da mesma forma que já permitiu, com sucesso, mudanças
comportamentais antes impensáveis em outros segmentos da vida social. Essa
capacidade de adaptação diz respeito não apenas às possibilidades tecnológicas,
mas também às restrições econômicas.
Diante de tais possibilidades, o adiamento das eleições em razão da
Covid-19 se afigura como decisão extrema, carente de racionalidade e
razoabilidade. O primeiro aspecto a considerar é o temporal. O primeiro turno
das eleições está previsto para o dia 4 de outubro, ou seja, quase cinco meses.
Considerando que o pico da pandemia ocorre na primeira quinzena de maio, todas
as projeções matemáticas já realizadas apontam que em outubro quase todas as
restrições de contato social estarão flexibilizadas.
Em relação ao financiamento público pelo fundo eleitoral, ainda que os
recursos sejam redirecionados ao combate à pandemia por iniciativa política ou
por decisões judiciais, o fato é que a via do financiamento privado por pessoas
jurídicas não está totalmente bloqueada, e pode funcionar sim como solução de
emergência. O Congresso Nacional poderia autorizar, excepcionalmente, o retorno
provisório das doações de campanha por empresas, por meio de alteração de lei
ordinária, em processo legislativo relativamente simples. Essa medida
compensaria o redirecionamento dos recursos do fundo eleitoral, sem que isso
representasse afronta ao acórdão tirado na ADI nº 4.650, dado o seu caráter
extraordinário.
O contexto da pandemia impõe também a todos os agentes políticos uma
reflexão bastante oportuna em nosso tempo: é realmente necessário todo o ritual
cívico das eleições tal como nos acostumamos nas últimas décadas? É preciso
mesmo sair de casa, com santinho do candidato na mão, dirigir-se fisicamente
até a seção eleitoral de sempre, pegar a fila ou participar daquelas
tradicionais aglomerações, com ou sem a prática de “boca-de-urna”? A crescente
possibilidade de certificação dos padrões de segurança nos sistemas digitais
abrem, de fato, a possibilidade de pelo a menos a maioria da sociedade votar
sem sair de casa, valendo-se de plataformas eleitorais criadas para esse fim.
Se ainda é cedo para incluir e difundir os recursos digitais disponíveis
para a realização de eleições totalmente eletrônicas, como seria desejável num
futuro próximo, que o pleito de 2020 considere ao menos a possibilidade de
escalonamento de eleitores para que a votação se dê, por exemplo, em três dias
diferentes, considerando a idade dos eleitores e as situações que ofereçam o menor
risco de contaminação por contato social. As urnas tradicionais seriam
utilizadas apenas por aqueles que não têm acesso a dispositivos eletrônicos.
O adiamento das eleições de 2020 não interessa à sociedade.
Trata-se de uma anomalia institucional que somente mobiliza os oportunistas de
plantão que já estão no comando das Prefeituras ou no exercício de mandatos
parlamentares nas Câmaras Municipais e que enxergam na Covid-19 uma
possibilidade de agarrar-se ao poder por razões pouco republicanas.
Anderson Pomini é advogado, especialista em Direito Eleitoral e mestre em
Direito Político e Econômico. Foi secretário de Justiça do município de São
Paulo. (Por Anderson Pomini- Via Blog do Jamildo)
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