Danem-se as evidências. Michel
Temer ancorou sua biografia política no porto de Santos há duas décadas. Em
1999, ACM já o fustigava: “Se abrirem um inquérito sobre o porto de Santos,
Temer ficará péssimo.” Finalmente, abriram o inquérito. Reuniram-se indícios
para justificar a prisão provisória de 13 pessoas. Entre os presos há um
“faz-tudo” de Temer. Tem nome de laranha: Coronel Lima. Esquiva-se há nove
meses de prestar depoimento à PF. Há fundadas suspeitas de que recolheu
propinas de empresas portuárias. Deixou digitais na reforma da casa de uma
filha de Temer.
Diante do risco de amargar uma terceira denúncia criminal, Temer mandou
soltar uma nota. Nela, justificou-se dizendo
que “bastou a simples menção à possível candidatura para que forças obscuras
surgissem para tecer novas tramas sobre velhos enredos maledicentes.” Falso. A
candidatura à reeleição só existe na cebeça de Temer e de seus apologistas. A
prisão dos amigos e empresários de estimação não é obra de desconhecidos
obscuros. Nasceu de um pedido de Raquel Dodge, indicada pelo investigado para a
chefia do Ministério Público Federal. Há na investigação interesse público, não
maledicência.
Numa segunda linha de argumentação, a nota oficial disse que “tentam mais
uma vez destruir a reputação do presidente Michel Temer. Usam métodos
totalitários, com cerceamento dos direitos mais básicos para obter,
forçadamente, testemunhos que possam ser usados em peças de acusação.” Engano.
Depois do grampo do Jaburu, Temer tornou-se frequês de caderneta da Lava Jato.
Coleciona duas denúnicas e dois inquéritos por corrupção. Reputação é como
virgindade. Não dá segunda safra. E a de Temer está sub
judici. Quanto ao inquérito, segue o manual. De resto, não há
delações forçadas, mas depoimentos sonegados.
Na nota, Temer deu-se ao luxo de fazer pose de icomodado: “Repetem o
enredo de 2017, quando ofereceram os maiores benefícios aos irmãos Batista para
criar falsa acusação que envolvesse o presidente. Não conseguiram e repetem a
trama, que, no passado, pareceu tragédia, agora soa a farsa.” Lorota. A
imunidade penal concedida ao bando da JBS foi para o beleléu. Os irmãos Batista
puxam prisão domiciliar. As provas que forneceram estão de pé porque a lei
manda que seja assim. O fio da meada não teria sido puxado se a voz de Temer
não houvesse soado no grampo que captou seu diálogo vadio com um criminoso.
O avanço do inquérito dos portos sobrecarregou o processador de Temer.
Quem esteve com o presidente nas últimas 48 horas notou que ele está
impaciente. Foi assim também no ano passado, quando foi obrigado a trocar o
triunfalismo reformista pelo fisiologismo que remunerou o congelamento de duas
denúncias na Câmara. Engolfado pelo novo inquérito, Temer faz cara de nojo e
escreve na nota que querem “impedi-lo de continuar a prestar relevantes
serviços ao país.”
Temer atingiu o perigoso estágio da amoralidade imperial. Acha que não
deve nada a ninguém. Muito menos explicações. E lamenta que não permitam que
ele continue fazendo o favor de salvar o país. Décadas de depravação
impregnaram no sistema político brasileiro um fascínio antroplógico pela cleptocracia. Mas Temer exagera no cinismo. A essa
altura dos acontecimentos, trocar valores éticos por ajustes na economia
equivaleria à atualização do velho ‘rouba, mas faz’. O Brasil merece um destino
diferente. (Por Josias de Souza)
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