Depois de quase três meses de estabilidade, a Rt (taxa de transmissão) do novo coronavírus voltou a romper o teto de segurança, indicando novo crescimento da doença no país. Com ele, houve também aumento de testes positivos e alta nas hospitalizações em São Paulo, dando indícios de que uma quarta onda de casos pode estar prestes a ocorrer, segundo especialistas consultados pelo UOL.
Apesar de a vacinação em massa impedir que o aumento das
mortes atinja a proporção das primeiras ondas da pandemia, esta semana outro
sinal de alerta acendeu: no dia 17 de maio, a média móvel de óbitos registrou a
primeira alta em duas semanas. Ontem, ela voltou a ficar estável.
Cientistas consideram o número 1 como o teto da Rt. Com esse
valor, cada pessoa infectada pode contaminar outra, mantendo a estabilidade de
casos. A meta é baixar esse número porque, se ele ultrapassar esse patamar,
cada doente poderá contaminar mais de uma pessoa.
O ano de 2022 começou em meio à terceira onda da pandemia no
Brasil, com o Rt permanecendo acima de 1 até o dia 5 de fevereiro, quando
atingiu o pico de 2,1 —o que significa que cem pessoas infectavam outras 210,
aumentando o número de casos.
Desde então, o índice começou a cair, mas só ficou abaixo de
1 no dia 22 de fevereiro. A curva despencou até o dia 16 de março, quando bateu
em 0,5, mas voltou a subir lentamente sem nunca ultrapassar o número 1.
Tudo mudou no dia 9 de maio, quando voltou a romper o teto e
não parou de crescer: no dia 18 de maio, estava em 1,25 (cem pessoas
contaminavam 125), indica levantamento da Info Tracker, a plataforma de
monitoramento da pandemia da USP (Universidade de São Paulo) e Unesp
(Universidade Estadual Paulista).
O Rt já ultrapassou a marca em quatro das cinco regiões do
Brasil: Centro-Oeste: 1,29; Sudeste: 1,26; Sul: 1,26; Nordeste: 1,13;
e Norte: 0,82.
No estado de São Paulo, apenas três das 22 macrorregiões têm
índice abaixo de 1: a Grande São Paulo Sudoeste, São João da Boa Vista e
Barretos. Na média, o Rt paulista está em 1,15.
Esse aumento já reflete nas internações em leito covid no
estado de São Paulo, embora em ritmo muito menor do que o auge da pandemia,
quando ainda não havia imunizante.
O aumento das internações no último mês foi de 55% no estado
na comparação com as quatro semanas anteriores. No interior chegou a 88%, na
capital, a 49%, enquanto na Grande São Paulo ficou estável e na Baixada
Santista caiu 25%.
Apesar da subnotificação dos autotestes, os resultados
disponíveis em testagem de laboratório e farmácia comprovam o recrudescimento
da pandemia.
Apenas nos 15 primeiros dias de maio, os 49,3 mil resultados
positivos para covid-19 em testes de farmácia já superaram os 32 mil
registrados em todo o mês de abril.
“O índice de positivados [nos testes de farmácia] saltou
54%”, diz Sérgio Mena Barreto, CEO da Abrafarma (Associação Brasileira de Redes
de Farmácias e Drogarias). “É um forte indício da resiliência do coronavírus,
que já apresentava crescimento desde a segunda quinzena de abril.”
A tendência também é de alta nos testes laboratoriais. Os
exames positivos, que representavam 13% do total das amostras na semana
terminada em 1º de maio, saltaram para 17% na semana seguinte.
Há ainda a expectativa de uma “taxa de positividade de 24%”
para a semana terminada em 15 de maio (os dados ainda não foram tabulados),
segundo a Abramed (Associação Brasileira de Medicina Diagnostica), que
representa 65% dos laboratórios de diagnóstico do país.
A 4ª onda chegou?
“Com base na dinâmica recente dos dados, é possível que já
estejamos vivenciando o início da quarta onda de covid: menos letal que as
demais por conta da vacinação, mas ainda muito preocupante em razão da ausência
de planos de contenção, abandono das máscaras e testagem por parte do poder
público”, avalia Wallace Casaca, coordenador da Info Tracker e professor da
Unesp.
Para o médico sanitarista Gonzalo Vecina, o aumento no número
de casos e internações por covid-19 não se deve a uma nova onda, mas à
flexibilização ao uso de máscaras.
“Isso tudo é fruto do relaxamento social e da falta de
máscara, e de levantar o decreto emergência sanitária foi um erro”, afirmou
Vecina. Ele se refere ao decreto do presidente Jair Bolsonaro (PL), que em
abril pôs fim ao estado de emergência para a covid-19.
Infectologista, a professora de medicina Joana D’arc
Gonçalves também diz acreditar na chegada de uma nova onda de contaminações.
“Como a gente vai conviver com esse vírus por muito tempo,
acredito que uma quarta onda esteja se aproximando e, possivelmente, haverá até
outras ondas, dependendo do nosso comportamento”, afirma a infectologista Joana
D’arc Gonçalves.
A professora lembra que a maioria das restrições sanitárias
caiu no Brasil por decisão de estados e municípios. No começo da semana, por
exemplo, a Prefeitura de São Paulo acabou com a obrigatoriedade de usar máscara
em táxi e de apresentar comprovante de vacinação em eventos na capital. O
abandono das máscaras ocorre em todo o país.
“Além disso, a transmissão de doenças respiratórias é mais
alta no frio porque as pessoas ficam mais próximas”, diz a médica. “E tivemos o
Carnaval recentemente, com muita gente aglomerada. Tudo isso traz
consequências.”
A especialista diz não acreditar no retorno das restrições
sanitárias, mas espera que o poder público organize campanhas educativas em
períodos sazonais, como em tempos de frio.
“O que temos em mãos é a vacina. É preciso focar nos mais
vulneráveis”, afirma a infectologista ao prever convivência longa entre humanos
e a Sars-Cov-2.
“Aguardar por uma política restritiva é complicado, não só
pelo governo, como pela população, que cansou. Lamentavelmente essa decisão foi
passada para o indivíduo”, diz ela, que ainda recomenda o uso de máscaras em
ambientes fechados, como transporte público.
“A gente tem sido pego de surpresa. Pensamos que a alta
transmissibilidade da variante ômicron iria enfraquecer o vírus, mas ele
continua com suas mutações. Pelo jeito vamos conviver com esse vírus por um bom
tempo. Depois da pandemia, será uma endemia, talvez com um vírus mais
transmissível, mas também menos letal”, alerta Joana D’arc.
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